21 de novembro de 2012


carta de um silêncio

de um tempo que careci experimentar para compreender o que acontecera; em tão pouco um tão grandioso afeto. De um âmago por vezes tomado como pressuposto, mas não apenas, também como vinho que se sente o cheiro e o macio sabor. Sim, experimentar como única possibilidade de um sentir, de sentires.

no primeiro mês, daquele por onde o encontro estivera entre um arruinado cassino-hotel, em terras de mulher autônoma dada aos dias de hoje como referência cultural, de conquista e de prazeres erotizados politicamente. Desse mês e dos seguintes, estive no sentir, apenas no sentir.

passados, necessitou o universo inferir, não distante do sentir, muito antes, como um laboratório de explosão concluinte, ainda que se rogue não querer conclusões resolutivas, chegada uma compreensão, trazida por essa mesma que hoje ergue forças novas, essa sétima das artes.

não os captei na exatidão do momento por insuficientes experiências, era-me preciso ter sentido esse não dito, ainda que estivesse anunciado. Necessária foste, a umidade do olhar sentido, para compreender que em cada prato estava-te, recriando e reinventando o universo ao se dar no silêncio fecundo do que em você pulsava.

daquelas findas palavras que aguardei e que necessariamente jamais chegarão, vi o amor, nas palavras da arte, numa festa que formalmente não é a sua, mas a de Babette, que virtualmente a atualizaram na singularidade de ter vivido a alegria dos amores.

amores que amados no silêncio passam, embora não abdiquem jamais a leveza dos existires.

“um artista nunca é pobre... eu podia fazê-los felizes, dando o melhor de mim mesma. Por todo o mundo ressoa o grito do coração do artista. Deixem-me fazer tudo o que eu seja capaz.” [trecho do filme A festa de Babette]


Carol Gomes

30 de outubro de 2012

Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
A leitura do mundo, que está nos jornais, na TV, na internet e em Homero e em Shakespeare, nas paisagens, nas ruas, em tudo o que me cerca e nas vozes que escuto desde a manhã até a noite.

Entrevista com Lêdo Ivo
OUTOBRO 2012
Jornal Rascunho; Curitiba-PR

vocês, ventos ordinários

vocês, dias desgraçados
cheios de temperos desarmonizados
afogantes em temperaturas destemperadas
inchados na tentativa de abrigar desnecessárias dilatações.

vocês, dias ressentidos
de vigilância medíocre que torna insolente a tristeza!
que perpetua o fantasma de mecânica alegria
que julga lágrimas e criminaliza emoções doídas.

vocês, dias distanciados
que em reação nega plásticas saudades
que acimenta com rigidez forçosa uma fraca fortaleza
de cores acinzentadas levianamente por modelos frouxos de colorido.

vocês, dias lacunares
de espaços excedentes em bestices
que lê papéis sem querência
que escuta soluções sem músicas.

vocês, dias terminados
que apregoam a insistência de não se acabarem
que cobram como agiotas resoluções vazias
de experiências chorosas de vontade.

vocês, dias mormaceiros
de águas avolumadas em vermelho
que transfiguram nos verdes cheirosos
que voam no branco desejoso.

vocês, dias quebrados
vão-se pela precisão de re-viver escolhas

escolhas
que se re-tomam em obras amantes
que não se desesperam diante do triste
que não vestem a alegria como armadura
que bebe permissão dos sentires
que grita pela garganta do estômago ruminante e movimentadamente faminto!

Carol Gomes

3 de outubro de 2012

E então oscilando entre a vigília embriada e os sonhos coloridos, sorriu em gritos enquanto o corpo suava com tamanha emoção depois de ver os ponteiros do relógio, que até então se seguiram infinitamente sem se alcançarem, abraçados e transbordando alegria!
O tempo soluçou para fazer uma curva... porque quem sabe nas curvas o ângulo de visão permite cheiros volumados do que se vê!!!
Eu tive um sonho, vou te contar... era preciso fechar os olhos.

8 de setembro de 2012

Já que nossa herança parece ser uma independência louca... que vai vai e não chega e que não se avergonha de nos meandros silenciosos do poder manter-se fechada para tão pouquíssimos... eis que Bel (grande Belchior), que crendo na mudança, cantarola um grito fugidio para respirar, porque no misto colorido e forte que nos movimenta no íntimo - no âmago - a gente escolhe as músicas, os filmes, as plásticas, as literaturas, as arquiteturas, os brilhos e os cheiros para continuar na velha roupa colorida sem negar e 'medonhar' diante dos fantasmas!

Cantemos e recantemos para viver... esse Brasil que vai vai e não chega! Chega onde? Não sei... Por negação afirmativa, sei que nesse ponto que estamos é o certo que não havemos de fixar chegada!

Como Poe, poeta louco americano,
Eu pergunto ao passarinho: "Black bird, o que se faz?"
Haven never haven never haven
Black bird me responde
Tudo já ficou atras
Haven never haven never haven
Assum-preto me responde
O passado nunca mais...

31 de julho de 2012

Pulo do gato

Eis que se impõe a danada: O experimentar rasgante há sempre de estar acompanhado do negativo?

Dança o desinteresse: Não! Golpe ser essa danada!

Infere-se: Pois se vê que experimentar não há de romancear tão e somente com as dolorações em referência ao negativo... há prazer divorciado da Dor, também... que não nega sua amante Delícia.

Carol Gomes
no âmago  deseja-se apenas 
a vida colorida! 
ainda que
tão difícil o seja.

17 de maio de 2012

Desejo, logo existo

Pensei em você ontem. Em você penso agora no limiar do instante. 
como se pensar-te fosse algo intempestivo.
quer um café? Quero um bem forte.
estou quieto como uma xícara.
espero que ele venha e me arrebate.
não como catarse. Não.
mas como um grito a sussurrar nesse instante. Nesse único instante.
o desejo.

(para minha amiga Carol, 
os meus mais nobres sentimentos de hoje)

FJ em 16maio2012

6 de abril de 2012

Cores de um flutuar...

i)
no princípio era o verde...
e acabou num dilúvio roxo...

ii)
as casas voaram; os cachorros viraram as latas e se deram aos vôos.
as plantas babosamente arrancadas saíram pelos ares como ondas da criação.
samambaias diluviando como que trepando nas estruturas do amor ora cozinhado ora contado em versos e estrofes não oficiais.
sem caminhos amarrados, tantos céus em vibrantes misturas, gozantes e regozijantes, deram-se às portas de um gótico arquitetado em adoração ao divino.
das torres nobres escorreram verde e vermelho em croquis de cabelos molhados.
trans... transcolorido, criação do roxo, que surgindo dos telhados acalmou a explosão cósmica de um dilúvio colorido dos amantes.

por Carol Gomes e Patrícia Brito

5 de abril de 2012

¬ Diálogo de um relógio ¬

Toca a campainha: plimmmm!
Britadeira atende: oi, quem?
Jeca responde: pão velho de berlândia.
minutos seguintes o universo em ressonância com flores cantando e cheiros dançando!
isso e tudo mais porque os passarinhos avoam e pulam telhados.

Carol Gomes

13 de março de 2012

Encontros flutuantes de vira-lata


Numa poética de vira-lata, tem me parecido que 'modo de viver' seja também selecionar as mais recônditas comidas das tantas latas viradas e depois olhar para cima e sorrir para a Lua e para o Sol, como se ambos estivessem juntos no céu. Por vezes chorar, ora de alegria ora de tristeza, mas, virando latas que só pelas andanças encontramos, como 'encontros'.


Encontra-se pessoas, encontra-se latas, encontra-se cheiros, encontra-se letras, encontra-se passarinhos, encontra-se sons... andando, encontramos!


O vira-lata mesmo no salto alto, vira a lata, porque não resiste ao charme incomum que emana das latas, não resiste ao colorido do Universo que as latas guardam... e depois de virá-las, levita, como pluma quase invisível ao vento...


[...] Porque num tempo onde o dim-dim compra felicidade mas não compra duração, o vira-lata pode ser milionário e o cachorro de madame pode ser miserável; quiçá o vira-lata esteja no virar latas em coloridos...


Carol Gomes

10 de janeiro de 2012

Breve diálogo 'ead' em dia de chuva, dançante...

Mensagem recebida: Não se sinta só. Enquanto o vento te tocar, eu existo. Não temas. Estarei contigo.

Mensagem enviada: palavras ao vento... em cada olhar deixo a tristeza e trago a esperança.

Mensagem recebida: palavras jamais são apenas palavras... os atos que fluem delas são elas.

Mensagem enviada: palavras são fragmentos de momentos cozidos no pensamento.

Mensagem recebida: Você é boa quitandeira.

Mensagem enviada: Você é um catavento, sente as palavras do vento.

Mensagem recebida: Catavento! Gostei. Gostei? - Sim. Também gostei de quando me chamaram de doce filósofo.

Mensagem enviada: Seu doce filósofo que cata vento!

Mensagem recebida: Nossa! Imaginei um andarilho garoto. Vestido de pano de saco e sandálias de padre, sorrindo como que sem qualquer motivo...

Mensagem enviada: Eu vi esse garoto andando com sua sandália. O vi num quadro lindo em cores azul e amarelo. Na mão ele tinha um violino.

Mensagem recebida: ..., eis o seu mistério: você escreve cantando ou canta ao escrever?

Mensagem enviada: ... e com o violino ele contava o mundo em cor verde com cheiro levemente doce, talvez como um personagem - filósofo músico que cata no vento palavras e som.

Mensagem recebida: Eu às vezes o vejo. Mas só às vezes, quando sentado em frente ao nada, despreocupado, compõe música mascando palha.

Mensagem recebida: Essas palavras fazem sentido para mim. Às vezes penso que faço e que me vejo é justamente esse que nasceu para cantar o vento. Talvez por isso não goste de autores músicos e filósofos autores. Mas de existências que sem se preocuparem com a autoria, desejam apenas tocar.

Mensagem enviada: Pensar sentindo sem culpa e como planta, talvez seja isso. Ótimos sonhos.


É... filosofia como arte, metafísica artística! Sem culpa e com vontade. 
Quiçá, atravessamento seja isso... 'outrens' que se vizinham, que se amigam...

1 de janeiro de 2012

Nota 12: mim mesmo como espaço-tempo de guerra


Nesta penúltima nota, a de número 12, sou obrigado a redizer, embora muito rapidamente, o quanto esse mim mesmo é um verdadeiro espaço-tempo de guerra. Essa guerra está presente em todos os verbos frequentados por esse mim mesmo, como tatear, olhar, ouvir, comer, beber, trabalhar, escrever, dizer, amar, lutar, etc. E em cada um deles, com seus problemas próprios e com as questões que os atravessam, há o risco dos desdobramentos do fazer no vasto pêndulo cadenciado pelo liberar e controlar, cadência perturbada a cada emergência das circunstâncias.


Muitas coisas passam por esses verbos. Algumas delas, porém, são muito fortes, capazes de forçá-los a endurecer meu percurso por eles. A essas coisas muito fortes Deleuze dá o nome de “Potências" com P maiúsculo. Para ele, o “capitalismo” é uma dessas Potências maiúsculas, assim como as “religiões, os Estados, a ciência, o direito, a opinião, a televisão”, etc. São Potências capazes de impor determinados modos de se estar nos verbos da vida. O mim mesmo não dispõe do poder de se ausentar delas, talvez nem na loucura. É que cada uma dessas Potências, diz Deleuze, “não se contentando em ser exterior” a mim, a nós, “também passa através de cada um de nós”. É justamente essa passagem que, em determinadas circunstâncias, entreabre a ocasião de um combate na imanência, de uma “guerra de guerrilha”, diz Deleuze que se intensifica nos questionamentos pontuais, nas erupções de estranhas alianças entre a “serenidade” e a “cólera”, isto é, entre, de um lado, as micropotências inovadoras do pensar, essas que se agitam em certos entretempos da filosofia, das artes, das ciências e, de outro lado, linhas de fuga e de resistência que modulam agenciamentos do desejo como larvas de uma “cólera contra a época”, contra o “intolerável” e a favor da invenção de modos mais suaves de coexistência entre os entes (DELEUZE, 1990, p. 7; 1992, p. 7).

Tomar a mim mesmo como espaço-tempo ocupado por multidões intensivas capazes de fluir com prudência por linhas de fuga, de resistir ao controle de Potências e de estabelecer relações ardilosas com o duplo incontrolável que me atravessa. Não vejo nisso uma constatação psicológica e nem um programa moral, mas sinalizadores ético-políticos que me ajudam a avaliar, a propósito da minha participação em cada ocorrência, o que estou ajudando a fazer de mim mesmo a cada instante em face da inovação que brilha num acontecimento, seja ele pequeno ou grande. Não se trata, portanto, do trajeto curto que se acomoda entre uma ética da intimidade e uma moral da objetividade. O que pulsa nesses sinalizadores é uma ética-política da singularização, na qual incontáveis fios diagonais tramam o contínuo das metamorfoses.

ORLANDI, Luiz. Que estamos ajudando a fazer de nós mesmos?

[Palestra no Colóquio Foucault-Deleuze realizado em 24-27/11/2000; Campinas-SP; Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp]
[Texto publicado em 'Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas']