29 de dezembro de 2010

O texto é muito bom... na dose exata de uma requintada ironia deliberada...


"Eu torço pela humanidade"
Por Bruno Hoffmann

Poucas pessoas são mais covardes do que quem diz, pra mostrar sua visão política: “Em política, minha intenção é bem clara: eu torço pela humanidade”. Esse sujeito é um inútil travestido de gente legal. Nesta questão, fico com Paulo Freire, que certa vez disse: “Eu não posso sonhar em favor de alguma coisa se não sonho contra outra, que é aquela que obstaculiza a realização do meu sonho. E não basta que você me diga: ‘Eu sonho pela humanidade’. A humanidade é uma abstração. Não existe”.

Esta introdução é pra falar de alguns tipos típicos de São Paulo. Esta semana encontrei com um deles: uma menina muito bonita, descolada, que foi criada na Vila Madalena e, pra completar, estudou no colégio Equipe. Essas que usam saia daquele tecido mole (qual é?) de inspiração nordestina, que não saem do forró e que viajam pra Chapada Diamantina pra se “reconectar consigo”.

Estávamos conversando, por causa de um amigo em comum. Ela, em dado momento, perguntou em quem eu tinha votado pra presidente. Eu respondi que na Dilma, e emendei um “logicamente”. Ela fez cara de nojinho, e retrucou: “Sério que você acredita nela? Também não gosto do Serra. PT e PSDB fazem a política do ódio”. E completou: “Votei na Marina, que é uma nova visão pra política nacional”.

Expliquei as coisas óbvias: que o PV está mais para a direita do que para a esquerda, que esse modelo de ONGs ambientais que apóiam a Marina é perigoso, que o discurso dela é demagogo etc. Aí veio a frase da menina: “Ah, os petistas têm sempre o mesmo papo. Não quero saber de direita ou esquerda. Eu torço pela humanidade”.

Dei um gole na cerveja, respirei fundo e citei a frase de Paulo Freire. Ela fez expressão de desprezo. Mostrei o frentista, as pessoas que atendem na loja de conveniência do posto ao lado do samba e perguntei se ela via a humanidade trabalhando ali para ganhar tão pouco, ou se ela via negros trabalhando, enquanto nós, brancos, filosofávamos baratamente sobre política. Se todos fossemos igualmente humanos, pela visão dela, não haveria aquela diferença cromática entre quem está trabalhando pra ganhar pouco e quem está na boa. Ela: “Ah, não vejo diferença nisso, não. Já disse: somos todos humanos”.

O papo continuou mais um pouco. Descobri logo depois que ela adorava os negros, o jeito sorridente deles e que até teve um namorado bem moreno que conheceu num verão no litoral da Bahia. Que não saía da capoeira, e agradece aos negros todas as quartas quando foge da dieta para encarar uma feijoada. Mas não gostava de nenhuma divisão e acha todo mundo igual. Era contra as cotas universitárias e contra as outras políticas para a promoção social dos negros. Mas era a favor da humanidade.

Fonte: http://www.brunohoffmann.blogspot.com/

15 de dezembro de 2010

À beira do pensamento

O indivíduo senta... e se lança no reflexo de si.

E aquela frase?: ‘como fere e faz barulho um bicho que se machucou’. Ou ainda a outra: ‘Será que é o trem que passou, ou passou quem fica na estação?’

A cabeça roda segura e lúcida, a recortar e reencontrar o recortado. Das cenas fixadas formata-se a cena presente. É isso, na película insignificante do dia o indivíduo não sujeito sentado à beira... o olho fixado no mais próximo horizonte, o do pensamento.

Do tal horizonte brotam-se texturas pinceladas numa grande tela: a vida. E essas pinceladas ressurgem gradativas e de um futuro acontecendo vestem-se num passado-presente, pois trazidas do anterior e puxadas do depois compõem o conjunto refletido.

O carro era branco no contraste com o olho verde. Surgia como tubarão no verde-marrom da mistura mato e barro. Olhava-se e o suspiro era de orientação, pois por vezes os indivíduos se confortam na submissão ao que se aponta para ser seguido. E isso não é ‘amarelo’, isso é momento de condição coletiva.

Subia um morro com caminho delimitado por eucaliptos; no pensamento a certeza que chegaria até a arquitetura colonial confiante de que o relógio seguraria os 60 exatos do que passou sem poder ter passado. Dez por cento do que passou foram suficientes para desfazer um intenso de busca, de crença. E então naquele que expressava o uso do gás rolou-se a ingenuidade da eterna criança, que ‘sempre’ confiante desilude-se com o não previsto.

No fim do corredor à esquerda, mineiros ao lado, no susto batem-se. Ora conhecia-se sem idêntico aquele olho, de onde? A memória não conseguiu buscar, mas o silêncio da razão emocionada intuiu o que no girar futuro confirmaria o esbarrão acidental, meramente acidental. Precisa-se que só apenas depois, bem depois os encaixes vagarosamente foram se dando, justamente porque no fim de tudo o grande foi o rasgado do bilhete a sustentar o endereço, carregado do reforço, mantemo-nos.

Engraçado como lá do alto do vigésimo primeiro menos a quarta parte do vinte subtraído o um, o olho a olhar, não menos que curioso se fez reflexivo. Como as cenas de um modista década de 90 com passagem envelhecida, abusadas as luzes meio laranjas da avenida, à frente o centro moderno comercial, e a condução no rol dos antigos a sair. Nisso a madrugada havia entrado com pressa, ainda que parada no sentido. E no pensamento: o que se faz?

De repente a cabeça ergue-se, o rodar retoma o probo e ciência de que ‘a lei te procura amanhã de manhã com seu faro’...

Carol Gomes

13 de dezembro de 2010

Divagação divagante de andanças

Passo a passo, contados
bem que reflexivos também
amarela, bem infantil, ingênua
pretensiosa ingenuidade
ganhou-me
dançou-me os olhos
casei-a com os passos
seguiram seguindo-me
e lá fomos, rumo ao calor
pára!
Noutra já estava branca
requintada, vestido rodado
meio baile formatura, não sei
naquele miolo protegido estava
a beleza, não, o belo
o másculo impositivo no fêmeo
trancei-as: amarela à branca
era um abraço
tímido, talvez
dele o que não se traduziu
o que se interpretou
nos minutos seguintes
adentrado à sala o deslocamento
corrompeu-as
privou-as
disso a inferência segunda
da faculdade nous
o estouro esteve no espanto
no alimento de pegá-las
separadas
e
uni-las
partilha movente...
segundos
ainda partilha
o amarelo no branco
a amarela na branca
porque a brevidade
ilimitou-se
no ato de tomar o puro
como caminho
sendo
o objetivo caminhante
do escaldante calor
do Tijuco.
Repita-se:
O grande é pegar as flores
no caminho como presente...

Carol Gomes