11 de novembro de 2015

O humano que se escravizou e o mundo que já acabou!

Vasculha os documentos, de residência, comprovante de renda, identidade, estilo cara-crachá, porque a missão do dia é assumir-se menos indivíduo e mais números de identificação.

Tudo OK. Toma banho, se alimenta, garrafinha de água gelada a tiracolo, batom vibrando, animação para resolver problemas, chave do carro, gasolina no tanque, música para curtir as horas e destino certo: banco.

Roda 10 minutos atrás de vaga. Encontra. Vai ao parquímetro pagar a tal ‘zona azul’ no limite de 2 horas. “Ufa, será que consigo resolver em 2 horas ou vou assumir a possível multa?”. Contratempo primeiro: o parquímetro só aceita moedas. Quem tem moeda nas redondezas?! “Moça, acabou tudo”.
Troca 2 reais em moeda?!

Hoie, moeda aqui é ouro.

Mais 10 minutos rodando atrás de moeda. Primeiro pensamento: Que esquizofrenia é essa?! Perder 25 minutos para estacionar um carro e ficar pagando pau para 2 reais em moeda?!

Toma floral, toma floral. Resolve e você dorme.

Porta de segurança no banco. O laptop da mochila não passa. “A senhora vai ter que deixar no guarda-volume, mas vejo que sua mochila não caberá lá”. Como?! Você me sugere o guarda-volume já sabendo que não tem espaço para a mochila?! Surto esquizofrênico número 2.

Muito custo, tirando tudo da mochila, até as absorventes, para vistoria do segurança, consigo enfim entrar.

A essa altura minha veia já sentia o bombeamento acelerado da corrente sanguínea.

45 minutos de espera para falar com a gerente. Diga-se: em um setor especial para clientes cujo perfil é classificado para tal. Esquizofrenia número 3. Setor especial com atendimento e resolutividade idêntica ao atendimento geral. Especial? Termo distinto que passa então a tomar sentido de ‘mesmo’.

Mesa da gerente que recordo de tempos da adolescência quando praticava esporte por prescrição médica para crescer. Esquizofrenia número 4: médico sabe receita para criança cujo histórico familiar é de baixa estatura, se tornar um mulherão de 1,75.

Lá vai.
Fulana, boa tarde, é a 4ª vez que venho aqui para atualizar meu endereço do cartão de crédito pois necessito de uma 2ª via.

Oi cicrana, tudo bem?

Não, nada bem. Cada vez que vocês me obrigam a vir ao banco gasto dinheiro de estacionamento, tempo, meus batimentos aceleram.

Desculpa cicrana, hoje vamos resolver.

E então a gerente começa a digitar tudo quanto é tecla naquele sistema com tela preta e letrinhas em verde. Digita aqui, aperta Esc dali, atende telefone, envia email, pede meu CPF, pede o endereço atual.

Bomba, corrente sanguínea explode e o ‘xx’ do cromossomo atinge o auge da histeria.

Cara cicrana, infelizmente preciso ser sincera e te dizer que nosso sistema está com problemas há algumas semanas. Isso está acontecendo porque houve uma mudança de gerenciamento dos cartões entre o banco e a operadora, por isso o sistema não consegue atualizar.

Fulana, você é filha do sistema?
Não, por que?

Porque você só faz o que ele manda, sem questionar, sem vasculhar alternativa. É normal isso? Porque na minha vida toda só a minha mãe que obedeço sem muito questionamento, por respeito e medo de apanhar. Se bem que depois de uma certa idade, até minha mãe questiono, veementemente.
Pois é, infelizmente é essa situação.

Boomm, a bomba explodiu, a corrente sanguínea transbordou, o coração pulou e as palavras e o olho fuzilaram.

Por que vocês me fizeram vir ao banco 4 vezes e só hoje explicam a situação?! Eu tenho cara de imbecil?! Você acha que aceito essa escravidão diante desses sistemas eletrônicos?!

Calma sra. Fulana.

Ops, apareceu um sra. na conversa, que por sinal foi jogado no meio da explosão.

Sra. não, meu nome é ‘tal’ e não estou aqui atrás de psicólogo para resolver minhas carências sociais, nem tampouco para lamentar fraquezas diante de sistemas eletrônicos que de virtual tem só a capa, porque não tem nada de multiplicidade, é tudo o mesmo!

Não vou sair daqui enquanto não resolver. Me passa o 0800 da ouvidoria, chama o gerente geral. Não vou sair daqui.

Disca 0800: “Boa tarde, meu nome é X, em que posso ajudá-la?”

Repete a história inteira e no meio da contação surge o pi-pi-pi. Ligação caiu!

O coração morreu, o aparelho parou, a ligação despencou.

Sem chamada jornalística, sem resolução... a vida continuou, viva-morta.

Carol Gomes