22 de março de 2016

Outono 2016 com seu excesso de pouca luz
ou
Aos vencedores, os maracujás!

Outono é a estação da passagem, do excesso de luz do verão aos equinócios que preparam o inverno. Pois bem, outono nos presenteia com o momento da colheita, com o amarelar e a queda das folhas, marca um movimento de transição na mecânica da natureza. Num bailar anfitrião as folhas cedem espaço para outras que virão. Há na filosofia uma tradição que labuta durante séculos para consolidar o casamento entre razão e verdade sob o madrinhamento da luz. Ora, como na expressão “à luz da verdade”. Estará a verdade comprometida durante os outonos com a sua pouca incidência de luz?!

Brasil 2016, 20 de março. Um verão findando com a luz artificializada por uma tarefa empenhada em trazer os anos de ditadura. Pois bem, se no outono lidamos com as mãos para o cultivo, estarrecidos e em choque, nos deparamos com indivíduos maquinando com as próprias mãos o retorno do 31 de março de 1964 para além dos arquivos de dores inadequados, indesejados e inaceitáveis.

A imagem é tal qual um estranho que bate à sua porta, vai entrando sem convite, traz um prato mascarado com frutas brilhosas, leite vistoso, quitandas macias, mas que se denuncia com o exalar de um cheiro não correspondente. O prato é artificial. O prato é todo industrializado, as frutas com venenos químicos, o leite artificial à base de conservantes e as quitandas com melhoradores e químicas para uma fermentação apressada e atropelada. Ora, nem de perto se trata do cultivo de outonos fortalecedores, outonos que nos preparam para mudanças e passagens, dos pensamentos íntimos e silenciosos às conversas durante o preparo da comida.

Dia 04 de março um país amanhece 6:00 surpreendido por uma condução coercitiva. Estavam levando o findar do verão. Cruelmente utilizaram a umidade das fortes chuvas para fixar arbitrariamente um marco na história do fluxo das temperaturas. Fabularam, com pouca competência criativa, um depoimento frio, distante de sensações quentes das chuvas de verão. A luz das 6:00 da manhã não trazia a iluminação natural, era marcada por sombras duras, com refletores falhos que não difundiam intensidades. Trata em fato de uma luz de estúdio que correspondia com fidelidade o insalubre gosto do prato sobre a mesa que o estranho entregava em casa.

Em 1964 essa cena aconteceu assim: o estranho adentrava a casa armado e te obrigava a comer o prato envenenado. Em 2016, o estranho retorna, dessa vez bate na porta, desarmado e bem vestido num terno, traz na mão o prato e puxando uma mala traz também televisão, jornais, rádios, internet com campanha de ódio e violência. Embora os anos sejam outros e a chegada do estranho seja aparentemente diferente, o objetivo se mantinha: seduzir para uma refeição artificial e sem sabor, cujo fim utilitário é exclusivo: o aniquilamento da vida.

A luz utilizada recorrentemente na filosofia em busca do verdadeiro, nesse outono, nos prova, metodicamente, que a depender do tipo de luz, a verdade também se veste de falácia, donde se apresentam proposições corretas ou quase corretas, entretanto as mesmas não correspondem aos fatos e se relacionadas denunciam o impossível. Pois foi com esses ventos que o outono nos chegou, provando que uma mentira repetida tantas vezes em tão pouco tempo assume corpo de verdade.
Quem há de negar que alguém bem vestido, vistoso e brilhoso é capaz de mentir, de manipular e enganar?!

O outono, para além de ser a estação do cultivo, dos ventos, da pouca luz e do cair das folhas, tem também seus frutos de época, e pudera, frutos coloridos e naturalmente belos. O maracujá que duplamente esbanja beleza, da casca sutilmente amarela ao amarelo intenso da polpa. O caqui, vermelho-laranja macio. Goiaba, figo, maçã, coco e tangerina que se somam ao desfile das cores até o chegar do inverno. Ora, falacioso o outono ao nos oferecer frutos tão belos com a incidência de pouca luz?!

Numa magia dada à percepção humana, o outono contrapõe a história oficial da filosofia travestindo a relação entre luz e verdade. De março a junho, no sul do globo, experimentamos um embate criativo das forças com a luz. É nesse período em que as notas científicas são tomadas diante da necessidade do sobreviver, não menos, é nesse mesmo período em que seres diversos se esticam, se dobram e desdobram para alcançarem no limite do esforço a quantidade da luz que lhes chega, bem certo que em menor escalada que na estação anterior. Assim, o outono é a estação em que se dança belos sambas ao som de um único pandeiro e nos embebedamos ao som de uma harmônica com seus sopros livres de paleta em paleta.

Mais que a beleza aguerrida das forças de outono diante da pouca luz, é nessa estação que compreendemos, num mistério infértil à razão mãe da verdade, que nas longas noites e nos dias curtos, aguçamos os sentidos e nos lançamos a percepções profundas desobedientes aos regramentos, únicos e exclusivos, do raciocínio. A pouca luz, provoca sobremaneira as saídas e entradas do corpo, que iguala pensar e sentir num sobressalto em busca da pouca luz do dia que se alonga em temperatura para as noites.

As folhas que caem, os ventos que passam rasantes, os cultivos diferentes dos frutos e de tantos seres, não são falaciosos, diferente do prato envenenado com a luz artificial do 04 de março de 2016, o outono é a estação que lança condições para um excesso de pouca luz. Esse excesso é o tomar a luz menos por sua quantidade (as horas de sol do dia) e mais por sua intensidade (a energia da onda física de cada raio de luz que chega, em outros termos, a temperatura da luz que chegando durante o dia se estende noite adentro).

O excesso de pouca luz é o movimento que o outono revela e nos força a criar, a produzir mais vida, tal qual as operações necessárias da natureza. O prato artificial e envenenado do estranho que adentrara 64 e que retorna em 2016, não o consumiremos iludidos por discursos armados e conservantes químicos. Esse mesmo prato será atravessado e destruído justamente pelas moléculas de uma pouca luz dos dias de março, pouca mas intensa, quente, comprida.

Não havendo a verdade filha da luz somada em horas, erguemos verdades pensadas pelo corpo no pulular dos termômetros. Não se trata do prato com veneno, falamos dos pratos de época, de cores das estações, de forças que se lançam por necessidades de vida.

Outono recebe o fenômeno das galinhas que diminuem postura dos ovos. Sim, é real a conversa de que as galinhas botam menos na quaresma. Ora, desavisados os teóricos que zombam das putas botadeiras do quintal, as galinhas não botam como no verão em decorrência da incidência de pouca luz e da troca das penas, e é justamente no findar desse período do galinheiro que o outono chega combativo, trazendo passagem que com novas asas excede num amarelo quente dos ovos que virão, pois as mesmas galinhas que sentiram a chegada do outono e por tal diminuíram a postura dos ovos, diante do limite, excedem a pouca luz dos meses seguintes ao retomar com adaptações vitais a postura farta de ovos.

Aos manipuladores de luz artificial, aviso: outono chegou e com ele o excesso de pouca luz e a prova, esteticamente, necessária de que as verdades são encontros criados por necessidades de vida.

Aos de vida minguada bem vestidos nos ternos com seus pratos envenenados lançamos nossos maracujás, nossas maçãs, nossas folhas caídas e nossas lutas.

Aos vencedores que somos, os maracujás!

NãoVaiTerGolpe!

Uberlândia MG, 21 de março de 2016.
Carol Gomes