Triângulo Mineiro, 08 de dezembro de 2019.
Meu
amigo Miguel,
Como
você está? Faz algum tempo que queria ter enviado essa carta, mas sendo
bastante sincera, assumo que a correria dos dias não deixou. Além da correria,
tem muita coisa acontecendo que por vezes não nos dá tempo se quer de ruminar,
digo, de refletir, tamanho impacto cuja única atordoada manifestação dos olhos
expressivos é: inacreditável!
Preciso
te contar uma coisa muito importante para que você vá se organizando ante as
colheitas vindouras. Vou direto ao ponto.
Você
já sabe que alguma coisa muito estranha e ruim anda acontecendo na vida humana,
e que isso tem tomado formas contagiosas. Acontece que não é algo fácil de ser
percebido e acompanhado, são ações praticadas diariamente em todos os
ambientes, incluindo o popular ambiente da escola.
O
ponto é esse: até na escola. Explico melhor. Você ainda não teve aula de
filosofia, que é uma maneira humana de pensar a existência. Essa maneira é tão
antiga que ao pé da letra nem data certa de nascimento a gente encontra, porque
diz respeito ao primeiro momento em que um ser humano se vendo como uma
pintura, como uma escultura, como uma nota musical ou enquanto uma personagem
faz as perguntas: Quem sou? O que sou? Como sou? Por que sou? Para que sou? Vou
por aqui ou por ali?
Essa
maneira humana está sendo retirada a conta gotas da escola, isso quer dizer que
você vai continuar fazendo as perguntas, porque a filosofia não depende da
autorização de ninguém para ser viva, mas, por outro lado, quer dizer que você
não terá mais o direito de saber quais foram as respostas que as outras pessoas
que viveram antes de você conseguiram dar para as mesmas perguntas.
Hoje
pode parecer que não ter conhecimento das outras respostas é algo
insignificante para suas escolhas profissionais, mas atenção, preciso ser sincera
com você: não há nada na existência que possa ser feito sem um gesto de
pensamento humano. Sabe por quê? Porque o seu pensamento é um corpo assim como
são os seus olhos, seu coração, portanto, se você sente o mundo,
necessariamente você vai pensar. Se a gente pensar sem saber o que pensam e o
que pensaram as outras pessoas, o resultado disso é que a vida perde o sentido,
pois aí você se anula, já que não terá as outras existências para mostrarem que
você próprio é uma existência.
Entende
o que estão fazendo ao tirar pouco a pouco a filosofia da sua vida?
Essa
carta é para te dizer que aos poucos e disfarçadamente estão te tirando o
direito de existir, na medida em que tiram seu direito de pensar o que pensaram
as outras pessoas.
Tenha
certeza que não é nada fácil escrever uma carta te falando desse assunto, muito
pelo contrário, é tão difícil quanto a saudade que sinto de você nos meus dias,
assim como é difícil te ver chorando quando criança, te ver correndo assustado
do cachorro da vizinhança. Sabe, meu amigo, a gente sempre vai viver desafios
na vida. Faz parte e inclusive nos fortalece, e é por isso que em todos os
espaços defendo seu futuro, não porque eu tenha um modelo correto de destino,
porque na verdade é você quem constrói seu futuro desde sempre. A mim cabe com
a delicadeza de te admirar desde criança pequenina com os olhos pretinhos e
arregalados, lutar com disposição para que você tenha o direito de saber da
história humana, dos vários feitos, incluindo os pensamentos, as dúvidas e as
investigações reflexivas da existência.
É
importante você saber que nesse último ano lutei muito por seus direitos, por
seu direito de ter acesso à filosofia, à reflexão, à leitura, aos diálogos
sobre a vida. Lutei e assim continuarei, por seu direito de ter dúvidas sobre a
existência, porque é duvidando e buscando o pensar que você continuará se
fazendo esse jovem altivo, disposto e forte que tanto nossa humanidade carece.
Em
silêncio e de longe sigo lutando por você, por mim, por nós!
Até logo,
Carol