agora escrevo com os olhos vermelhos de repulsa pelas relações ordinárias que tenho vivido nesse meu tempo. escrevo com autoridade de indivíduo que sempre, desde o sempre, gritou ao mundo sua paixão descontrolada pela vida, gritou ao mundo seu desejo pulsante pelos fluxos do existir. quem ama sente o sabor de ódio velando – amar e odiar, simultaneamente esse mundo, esse meu tempo cadavérico e repulsante.
aqui em fato há um pedido de socorro, um pedido de ajuda, porque não há mais terapia falante e silenciosa para tanto. não há mais força ativa para os ressentimentos desses dias secos e malditos que vou presenciando.
a imagem é mesmo essa, de um instante em atraso entre o que há e o que engulo do fora: olho para frente e fixando num espaço sem ponto, sem forma, sem matéria... enxergo na agitação das moléculas do corpo um rosto esvaecente, um rosto choroso, doído, como que recortado em sangue não vermelho, um sangue asqueroso, que causa uma atormentada repulsa. esse rosto não é o meu, nem o de ninguém, é o rosto maldito que jamais queria ver, mas que há alguns meses tem insistido em olhar por dentro da minha própria visão. é o rosto desse meu século XXI com brutalidades, amarguras, enrijecimentos e indiferenças! morremos, já estamos mortos!
Carol Gomes
28 de julho de 2014
15 de julho de 2014
eu tenho um cabaré!
Lá sou a mais
faminta das cafetinas; dou e devoro a despeito dos olhares julgadores alheios.
Dou às
interrogações professorais do Deleuze, e, cômo salivante suas criaturas
filosoficamente estetizadas. Do Deleuze enrabo todas, embora na hora do gozo me
regaço inteira em líquido desregrado das faculdades. Pego-me oferecida de
quatro, em pé, esticada no chão, pressionada na parede, molhada no chuveiro sem
cair uma gota. Óh! Deleuze me prazera sensitivamente num movimento
contraidamente selvagem e animal.
O mais emputecedor
e discreto, és Platão. Grega é sua nacionalidade aparente, porque na suíte
ele é um africano lorde. Me adentra sempre dialogando, e num tempo partícipe me
sequestra para compor, rebaixadamente, suas louquíssimas hierarquias
orgiásticas. Nele e com ele me visto de todas as almas, da guerreira altiva à
artista que expulsa grita gemendo: seu puto! Sei lá por quais motivos é um dos
frequentadores contínuos do meu corpo. Quem sabe porque condena-me justamente
por ser um mero e aprisionante corpo. Sempre que parte, vejo em relances
sua sombra presentificada em: “será que depois de Platão prazerarei novamente?”.
Como toda cafetina
vivo também as rapidinhas. Ah, das tantas lembro a do Barthes, o popular
Barthes. Chega, tira a roupa, fode e pronto. Viro a página e me pergunto: deu?!
A trepada com Locke
foi interessante e uma única vez. Chegamos à cama com agendas bem definidas,
horário cronometrado. Um ser amarradinho, meia e cueca combinando, e de quebra
um suspensório, erradamente grampeando a cueca. Ridículo mas estranhamente um
elemento erótico. Segundo um tal tratado da natureza fui trabalhando e erguendo
minha propriedade corporal, e ele, o Locke, silenciado demonstrava “ir” sem “chegar”,
fuder sem gozar, tipo coito reprimido. E nessa “lenga-lenga” ficamos uma
semana, para dias seguintes eu avaliar: foi bom para alcançar o fim e cumprir a
agenda!
Na mesma agenda,
semana seguinte, estava a Hannah Arendt. Caramba, o que será?! Preparei o
cabaré, troquei as roupas de cama, troquei as toalhas, lavei o cinzeiro,
desliguei o telefone e isolei a campanhia. Tomei um banho demorada, depilei as
páginas, coloquei uma super roupa no estilo estudante-universitária. Quando ela
chegou meu diafragma travou: nú, que mulher é essa?! Um misto de
amargura-doce-maternal. Fomos nos virando num vai e volta de letras. Sempre
olhava desconfiada para ela porque sabia que ali tinha um Agostinho santo e um
moralista Kant; mas vai lá, depois de um tempo ela me seduziu, deveras com
dificuldade de entendimento (da minha parte, claro!), e creio mesmo que só lá
pelas findas páginas é que relaxei os músculos chamando o úmido, subitamente, quando moveu seu olhar na direção do meu e tragou algo como que: “só educa quem ama o
mundo o suficiente para querer que ele continue”. Despedimos e ela saiu,
elegante e ereta. Sei que voltará outras muitas vezes, como de fato voltara
mais umas 2 ou 3 recentemente.
No cabaré acham que
foi com Deleuze que aprendi trepar com plateia. Óh, ingenuidade! O feito veio
do Marx. Nunca vi igual, jamais chegava sozinho, sempre acompanhado de um
grupo, e junto os tais do Engels e Gramsci. Estive com o Marx um tempo possível
de contabilidade considerável, embora sempre flertasse escondido com o outro titã de nome Bakunin. Marx era
costumeiramente fantasioso, exigia cenários na cama e não abria mão das
cadeiras para os convidados. Engraçado, me lembrava muito os “bombados” de
academia que malham se exibindo para o espelho e para os que rodeiam. Todas as
posições eram combinadas para que o coletivo assistisse. Sem dúvida que Marx
gozava com os suspiros da plateia, e eu gozava na duplicidade desses mesmos
suspiros, tipo um espectro que você insiste acreditar ao ponto de sentir
pairando mas sem jamais saborear. Era estranho mas me excitava, tanto que
insistíamos na trepação.
Não sei se chamo de
sexo estranho ou sinistro, só sei que era desafiante todas as vezes que o
Nietzsche chegava. Primeiro grande desafio era o bigode (muito mais terrível
que a barba do Marx); um bigode que guardava cheiro próprio e que nenhuma das
minhas faculdades encontrava semelhante. Na verdade foi o Deleuze quem
apresentou o Frederich ao cabaré. Claro que eu já tinha escutado falar dele,
mas daí, experimentar sua transa foi outra novela. A primeira vez foi mesmo
muito estranha, chegou muito sério com uma caderneta transbordando escritos em
notas musicais, palavras com símbolos gregos e também algumas poesias. Ele
gostava de trepar no banheiro e no sofá, tudo inesperado, como se de uma
palavra estranha já nos agarrássemos e explodindo uma quentura louca e
alucinada meu corpo entrava todo no dele que por sua vez já estava internamente
em mim. Isto me dava muito medo, muito mesmo. Sentia minhas forças vitais
vibrarem, meu organismo se auto-consumir, minhas moléculas se expandirem e as
células ficarem pequenas para comportar. Nas nossas transas eu bebia apenas
após o gozo, bebidas fortes ao som de músicas alucinógenas. Ao mesmo tempo que
era um sexo animal (e maravilhoso), era também atormentador. Ao acabar ele
seguia rumo à porta e eu ficava estagnada na cama olhando aquela estranheza
fluindo como que partículas físicas da luz. Eu hein?! Sempre muito sinistro. Em
fato nem o achava tão bom de cama, era tímido, calado, mas a atmosfera que
trazia consigo era hipnotizante. Fato inquestionável é que depois dos gozos com
ele, não mais me satisfazia com “meia boca”, desejava sempre a enésima
potência. Foi Nietzsche quem me ensinou calmamente a dançar na hora do sexo...
bailar no chão do quarto sabendo da quentura da cama. Estranho e viciante!
Nossa, experimentei
brevemente transas horrendas, Habermas e Sartre, credo! Sem comentários! Não
digo que apenas por eles, certamente devia-se aos meus dias de forte TPM;
prefiro nisto crer.
Dilthey esteve no
cabaré num momento fotográfico e deliciosamente se permitiu entrar no meu ensaio-experimental-fotográfico, ainda que na despedida tenha dito: “Envolvente, embora sem entendimento!”. Com
razão, peguei escancaradamente seu “enigma da vida” e coloquei com os “Duane
Michals” pendurados por todas as paredes do quarto. Foi um sexo de flash; para
cada gemido uma captura da luz.
Ah quantas transas
nesse cabaré diário de pensamentos. Prostituição viva de conceitos e sensações.
Não haja, indubitavelmente, uma página que eu não leia experimentando, dando-me
e devorando.
Passaram e
continuam a passar vários, oficiais e nem tão oficiais; nomes dessa sedutora
história da filosofia. Às vezes europeizada e às vezes super trópica (diga-se
aos comentadores alimentadores ‘orgiásticos’...).
Causos
antropofágicos das páginas de Foucault, Aristóteles, Descartes, Heráclito,
Anaximandro, Kant... hoje, presentemente, Bergson. Alguns que já nem lembro. Outro que me seduziu com flores e Napoleão, o ‘ergueiro’ das aparências
escondidas que só ele via: Hegel.
No meu cabaré
passam também sofistas e passam artistas, sempre! Os cientistas ensaiam passagens
vestidos de personagens de tantas literaturas, ao estilo: “o céu de Ícaro tem
mais poesia que o de Galileu...”.
Nesse cabaré tenho
desaceleradamente regaçado minha fome amante nos meandros de pensamentos vivos
que transbordam pulsando. Sempre usando e abusando das páginas-imagens.
Sim! Prostituindo-me assim tenho saboreado universos contraídos e distendidos numa
epiderme sensitivamente pensante.
(lorac semog)
para minha amiga Torino que um dia desvelou o samba da sonoridade da língua grega,
afetos e saudade de você que já não vejo mais.
para minha amiga Torino que um dia desvelou o samba da sonoridade da língua grega,
afetos e saudade de você que já não vejo mais.
13 de julho de 2014
das fomes, de leão e centauro
inesperadamente e na quase costumeira lentidão da percepção erótica, avistamo-nos! a ficha demorou cair, mas no treque-treque corporal a correnteza sanguínea atingiu picos selvagens com respirações muito além de ofegantes suspiros de 'querências mais'.
dias rápidos que presentemente somaram-se em minutos, ora longos ora brevíssimos.
sem muitas demoras cronológicas, mas uma eternidade na urgente necessidade faminta dos que salivam, retomei, por frações micro-invisíveis a percepção visual no som das águas de uma cachoeira que recitava o prazer. Não! muito mais, numa voz fortemente fluida, a cachoeira cantava um desejo surgido sei lá de que tempo ontológico que talvez deleuzeanamente um dia se compreenda, mas apenas um dia!
a boca mergulhava no corpo com vontade e singular fome. Bocas se encontravam nas línguas, macias e autoritárias, numa luta louca em navegante descoberta de um afeto silencioso e intempestivo. O sexo era afirmadamente a matéria, mas um encanto inexplicado era a condensação que movia e recortavam aquelas presenças esticadas em pedras, molhadas, cheias de folhas.
o diálogo silábico oportunamente era inexistente. Só havia um dialeto, o do corpo, que em algumas vezes permitia brechas para sussurrar algo quase nada entendível. Entender o quê?! o universo tinha traçados curvos, movente, correntes, tal qual as águas que rolavam.
a boca babava de vontade, a imagem inatual da leoa diante de uma presa doce, cujo olhar revelava discretamente um desejo tímido e nada dado às repressões do desejo. Aquela presa, em fato, torcia a fortaleza felina de experiências outrora construídas. No fluxo inclusivo de uma antropofagia orgiaticamente panteísta, a maciez devorou a fome predadora.
os cabelos migraram para os traços de uma natureza informe, cujos sabores múltiplos universais encontravam-se todos. Lambia-os, comia-os como linhas que se curvavam a um cheiro nada esquecido.
explorando-se desconhecidamente numa fome familiar, embora sem indícios, a boca subia e descia por um território úmido, leve e reciprocamente transbordante. Já não se sabia qual era qual umidade, das águas correntes e dos corpos explodindo. Os dedos passavam nas águas para adentrar à boca... nesse percurso mais e mais umedecia-se o devorar.
corpos nus com roupas que embora materializadas estavam totalmente inexistentes. Naqueles minutos, davam-se por inexistentes, ainda que adornando os corpos. Um corpo encontrado no outro. Um corpo afetado no outro. Sem normatizações e hierarquizações temporais, sociais, psicológicas, nem tampouco matemáticas, um e outro era o mesmo e tantos no desdobrar de múltiplos movimentos erguendo encaixes, quenturas, dobraduras moleculares e musculares, corporalmente do dentro e do fora.
dois humanos, de naturezas diferentes, tudo bem! mas dissolvidos numa animalidade crescente em eternidade de minutos embebedados de prazer puro, pureza erguida de fome, de tara, de um fogo heraclitiano in-semelhante.
o auge atingiu a temperatura ideal para estourar o termômetro... que explodido deu-nos os suspiros da retomada vivente. Voltem-se à quinta (feira)! e aí o universo das marcações espaciais os puxou à vida humana e os dias se seguiram.
por entre as veredas da singela cachoeira, os corpos seguiram juntos a trilha do retorno aos dias, de outro modo, para entradas distintas da bifurcação, quiçá, adentraram o leão e o centauro... cada um levando consigo suas fomes regidas por seus planetas: sol e júpiter. Juntos levaram o elemento que talvez os tenham lançado no encontro selvagem daquele dia: o fogo, elemento zodíaco das duas casas astrológicas, a quinta e a nona.
hoje olha-se para aquela imagem guardada em lembrança e vê-se uma cachoeira fluindo, com vida, com cheiro, cores, sabores e pulsões. Embreado como imperador da selva, segue o leão com sua qualidade fixa, amante da vida e decididamente faminto. Caminhante por cima das águas, segue o centauro (aquele de sagitário), com sua qualidade móvel, num humor despreocupado e decididamente livre.
separados? quiçá!
hoje, reencontrados numa imagem agora lançada a um tempo, prazerosamente, rememorado.
agora, perguntado: e isso existiu no tempo?!
águas de onze/junho/dois mil e quatorze (itba-mg) |
12 de julho de 2014
a personagem dessa vez não estava em nenhuma passagem, nada de rodoviária, nem aeroporto, nem posto, nem cruzamentos; o ser estava escorado no corrimão olhando para sei lá quantos lados sem nada enxergar, a não ser, quem sabe, suas próprias divagações.
fixei o olho para adentrar naquele outro universo porque o meu naquele instante transbordava uma ansiedade infernal que antecede rotineiramente todo agosto.
pulava de um aos outros, dos outros aos uns, dos si aos mim. Um gole, uma descida, e eu junto naquele malabarismo silencioso. Não nos víamos, óbvio, pois naquela altura das luzes já nem se cogitava, cartesianamente, a existência: "vejo, logo mergulho".
e do nada, plim... o copo caiu e a palavra estrondou de um pandeiro perdido que sabe-se lá porque surgiu noteando harmonias.
o estrondo úmido trouxe um: Porra! Só isso, nada mais. Em seguida uma quentura catártica e uma vibração surgia desejando o grito da mudez que babava para tagarelar.
fala! fala! Aquele olhar trapeziante pedia, resmungava... e nada!
achei muito estranho, atormentador, fulgaz... e virei o rosto afastando. Na volta contrária do ângulo avistei um flash e vi o vulto... e sem controle umideci meu ver, porque no molde de um olhar alheio vi o rosto de um meu tormento que vai passeando sem lugar, sem portos e sem pontos.
fixei o olho para adentrar naquele outro universo porque o meu naquele instante transbordava uma ansiedade infernal que antecede rotineiramente todo agosto.
pulava de um aos outros, dos outros aos uns, dos si aos mim. Um gole, uma descida, e eu junto naquele malabarismo silencioso. Não nos víamos, óbvio, pois naquela altura das luzes já nem se cogitava, cartesianamente, a existência: "vejo, logo mergulho".
e do nada, plim... o copo caiu e a palavra estrondou de um pandeiro perdido que sabe-se lá porque surgiu noteando harmonias.
o estrondo úmido trouxe um: Porra! Só isso, nada mais. Em seguida uma quentura catártica e uma vibração surgia desejando o grito da mudez que babava para tagarelar.
fala! fala! Aquele olhar trapeziante pedia, resmungava... e nada!
achei muito estranho, atormentador, fulgaz... e virei o rosto afastando. Na volta contrária do ângulo avistei um flash e vi o vulto... e sem controle umideci meu ver, porque no molde de um olhar alheio vi o rosto de um meu tormento que vai passeando sem lugar, sem portos e sem pontos.
Carol Gomes
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