10 de janeiro de 2012

Breve diálogo 'ead' em dia de chuva, dançante...

Mensagem recebida: Não se sinta só. Enquanto o vento te tocar, eu existo. Não temas. Estarei contigo.

Mensagem enviada: palavras ao vento... em cada olhar deixo a tristeza e trago a esperança.

Mensagem recebida: palavras jamais são apenas palavras... os atos que fluem delas são elas.

Mensagem enviada: palavras são fragmentos de momentos cozidos no pensamento.

Mensagem recebida: Você é boa quitandeira.

Mensagem enviada: Você é um catavento, sente as palavras do vento.

Mensagem recebida: Catavento! Gostei. Gostei? - Sim. Também gostei de quando me chamaram de doce filósofo.

Mensagem enviada: Seu doce filósofo que cata vento!

Mensagem recebida: Nossa! Imaginei um andarilho garoto. Vestido de pano de saco e sandálias de padre, sorrindo como que sem qualquer motivo...

Mensagem enviada: Eu vi esse garoto andando com sua sandália. O vi num quadro lindo em cores azul e amarelo. Na mão ele tinha um violino.

Mensagem recebida: ..., eis o seu mistério: você escreve cantando ou canta ao escrever?

Mensagem enviada: ... e com o violino ele contava o mundo em cor verde com cheiro levemente doce, talvez como um personagem - filósofo músico que cata no vento palavras e som.

Mensagem recebida: Eu às vezes o vejo. Mas só às vezes, quando sentado em frente ao nada, despreocupado, compõe música mascando palha.

Mensagem recebida: Essas palavras fazem sentido para mim. Às vezes penso que faço e que me vejo é justamente esse que nasceu para cantar o vento. Talvez por isso não goste de autores músicos e filósofos autores. Mas de existências que sem se preocuparem com a autoria, desejam apenas tocar.

Mensagem enviada: Pensar sentindo sem culpa e como planta, talvez seja isso. Ótimos sonhos.


É... filosofia como arte, metafísica artística! Sem culpa e com vontade. 
Quiçá, atravessamento seja isso... 'outrens' que se vizinham, que se amigam...

1 de janeiro de 2012

Nota 12: mim mesmo como espaço-tempo de guerra


Nesta penúltima nota, a de número 12, sou obrigado a redizer, embora muito rapidamente, o quanto esse mim mesmo é um verdadeiro espaço-tempo de guerra. Essa guerra está presente em todos os verbos frequentados por esse mim mesmo, como tatear, olhar, ouvir, comer, beber, trabalhar, escrever, dizer, amar, lutar, etc. E em cada um deles, com seus problemas próprios e com as questões que os atravessam, há o risco dos desdobramentos do fazer no vasto pêndulo cadenciado pelo liberar e controlar, cadência perturbada a cada emergência das circunstâncias.


Muitas coisas passam por esses verbos. Algumas delas, porém, são muito fortes, capazes de forçá-los a endurecer meu percurso por eles. A essas coisas muito fortes Deleuze dá o nome de “Potências" com P maiúsculo. Para ele, o “capitalismo” é uma dessas Potências maiúsculas, assim como as “religiões, os Estados, a ciência, o direito, a opinião, a televisão”, etc. São Potências capazes de impor determinados modos de se estar nos verbos da vida. O mim mesmo não dispõe do poder de se ausentar delas, talvez nem na loucura. É que cada uma dessas Potências, diz Deleuze, “não se contentando em ser exterior” a mim, a nós, “também passa através de cada um de nós”. É justamente essa passagem que, em determinadas circunstâncias, entreabre a ocasião de um combate na imanência, de uma “guerra de guerrilha”, diz Deleuze que se intensifica nos questionamentos pontuais, nas erupções de estranhas alianças entre a “serenidade” e a “cólera”, isto é, entre, de um lado, as micropotências inovadoras do pensar, essas que se agitam em certos entretempos da filosofia, das artes, das ciências e, de outro lado, linhas de fuga e de resistência que modulam agenciamentos do desejo como larvas de uma “cólera contra a época”, contra o “intolerável” e a favor da invenção de modos mais suaves de coexistência entre os entes (DELEUZE, 1990, p. 7; 1992, p. 7).

Tomar a mim mesmo como espaço-tempo ocupado por multidões intensivas capazes de fluir com prudência por linhas de fuga, de resistir ao controle de Potências e de estabelecer relações ardilosas com o duplo incontrolável que me atravessa. Não vejo nisso uma constatação psicológica e nem um programa moral, mas sinalizadores ético-políticos que me ajudam a avaliar, a propósito da minha participação em cada ocorrência, o que estou ajudando a fazer de mim mesmo a cada instante em face da inovação que brilha num acontecimento, seja ele pequeno ou grande. Não se trata, portanto, do trajeto curto que se acomoda entre uma ética da intimidade e uma moral da objetividade. O que pulsa nesses sinalizadores é uma ética-política da singularização, na qual incontáveis fios diagonais tramam o contínuo das metamorfoses.

ORLANDI, Luiz. Que estamos ajudando a fazer de nós mesmos?

[Palestra no Colóquio Foucault-Deleuze realizado em 24-27/11/2000; Campinas-SP; Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp]
[Texto publicado em 'Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas']