29 de abril de 2009

Quando a poesia se faz invasiva... suavidade da ausência no invisível!

Paradoxo da criação
O poeta, exausto de silêncio, criou a noite
só para que a luz chorasse

Aquarela n° 1: a primavera
Na lágrima da luz, as borboletas são arco-íris

Sabedoria
Os olhos que se transformaram em relógio
Conheceram o tempo interior

Anoitecer em Uberlândia
O sol se pondo como se a luz chorasse atrás de um
violoncelo ausente tocando o silêncio como um
cego separando as lembranças da luz
das cinzas do papel, como se fosse uma lenda.

Uberlândia improvisando cenários
Em minhas olheiras, o desencontro das ruas e da realidade

Harley Juliano Mantovani
- A Poesia da Ausência -
Todos os poemas contidos no livro "A Luta de Jacó com o Anjo: Poesia da Ausência"

28 de abril de 2009

O acaso violento que sacode a alma e a provoca num olhar a si... Ainda que na dança efêmera dos momentos, há o que nos orienta ao verdadeiro, nem sempre visível, porém existente...

Primeiro o piano solitário se queixava, como um pássaro abandonado pela companheira; o violino o ouviu, respondeu-lhe como de uma árvore vizinha. Era como no começo do mundo, como se só existissem eles dois sobre a terra, ou melhor, naquele mundo fechado a tudo o mais, construído pela lógica de um criado, e onde só os dois existiriam para todo o sempre: aquela sonata. Era um pássaro, era a alma incompleta ainda da pequena frase, era uma fada aquele ser invisível e lastimoso cuja queixa o piano a seguir repetia com ternura? Seus gemidos eram tão repentinos que o violinista deveria se precipitar sobre seu arco para recolhê-los. Maravilhoso pássaro! O violinista parecia querer encantá-lo, aprisioná-lo, captá-lo. Já havia passado para sua alma, já a pequena frase evocada agitava, como a de um médium, o corpo verdadeiramente possuído do violinista.

Marcel Proust
- Em Busca do Tempo Perdido -
No Caminho de Swann - 2ª parte "O Amor de Swann"

17 de abril de 2009

Desconhecer o criador em alguns momentos é garantir a autonomia da criatura...

Não me venha com a realidade
Aquela conversa na saída embriagada de uma magna exposição
Não quero ouvir de bombas, das mazelas, da crueldade sabe-se lá de quem humano ou não
Não me venha com realismo, longitudes deste
Quero iludir-me do irreal
Quero fugir de mim e dos outros
Se uns não me permitem, eu me permito
Me permito nos meus limites, no solitário julgamento do eu-mim
Desculpe-me o mundo, desculpe-me os outros
Lá no fundo, bem lá no fundo um tempo de encantamento
Hoje bem no raso momentos ficcionais delirantes, ah, esses sim
Palavras bonitas confortantes, eis o absurdo, eis a revolta, eis a arte, eis a criação
Ah, eis a possibilidade, eis o não ser não visto e sentido
O pronunciar lento na exatidão para que se perca no entrelinhas
No entrelinhas não menos que o delírio iludido, a amarga consciência do real
O amargo sublimando o doce delírio
Assim, necessário contingente, contingente necessário do olhar solitário
Eis indivíduo, noção de estar desconhecido de si e do fora
Fez-se a madrugada, derrubou-se o véu da condição
Envolva noite o tempo e desperte a ilusão apaixonada
Assim me faço


Não me Venha, Me permita
- Desconhecido -

16 de abril de 2009

Com as pessoas especiais, que não são ao acaso, que se dispõem a serem para os outros, alguns outros, aprendemos não apenas que é possível um olhar apaixonado, mas que além é possível construir referenciais, guardar aprendizados, ampliar perspectiva, sensibilizarmos sempre mais, olhar para um interior com a troca do olhar maduro e suave...


Moro na possibilidade,
Casa mais bela que a prosa,
Com muito mais janelas
E bem melhor, pelas portas

De aposentos inacessíveis,
Como são, para o olhar, os cedros,
E tendo por forro perene
Os telhados do céu.

Visitantes, só os melhores:
Por ocupação, só isto:
Abrir amplamente minhas mãos estreitas
Para agarrar o paraíso.

Moro na possibilidade
- Emily Dickinson -
Poetisa norte-americana, 10/12/1830 – 15/05/1886

15 de abril de 2009

Hoje... um dia cujo o olhar pessoal se faz faminto por energias invisíveis, deleito-me nas linhas artísticas de mais uma entre tantas visões discretas, porém não menos vibrante do mundo...

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim num beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada mais na existência do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotogafei o perdão.
Vi uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim cheguei a
Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça
e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

O Fotógrafo
- Manoel de Barros -

Nasceu em Cuiabá (MT) em 19 de dezembro de 1916.

Trecho da entrevista concedida pelo escritor ao jornal ‘O Estado de São Paulo’ em Agosto/1996:
"Exploro os mistérios irracionais dentro de uma toca que chamo 'lugar de ser inútil'. Exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações.”