28 de abril de 2009

O acaso violento que sacode a alma e a provoca num olhar a si... Ainda que na dança efêmera dos momentos, há o que nos orienta ao verdadeiro, nem sempre visível, porém existente...

Primeiro o piano solitário se queixava, como um pássaro abandonado pela companheira; o violino o ouviu, respondeu-lhe como de uma árvore vizinha. Era como no começo do mundo, como se só existissem eles dois sobre a terra, ou melhor, naquele mundo fechado a tudo o mais, construído pela lógica de um criado, e onde só os dois existiriam para todo o sempre: aquela sonata. Era um pássaro, era a alma incompleta ainda da pequena frase, era uma fada aquele ser invisível e lastimoso cuja queixa o piano a seguir repetia com ternura? Seus gemidos eram tão repentinos que o violinista deveria se precipitar sobre seu arco para recolhê-los. Maravilhoso pássaro! O violinista parecia querer encantá-lo, aprisioná-lo, captá-lo. Já havia passado para sua alma, já a pequena frase evocada agitava, como a de um médium, o corpo verdadeiramente possuído do violinista.

Marcel Proust
- Em Busca do Tempo Perdido -
No Caminho de Swann - 2ª parte "O Amor de Swann"

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