19 de outubro de 2017

cafés e chás, comidas almoçadas na mesa em conjunto, comidas e leituras no universo da cozinha sempre são remédios para mim. Cada casa tem sua variação, mas eu acho que como as bibliotecas, os cinemas, as praças e os parques salvam as cidades, a cozinha, o banheiro e as portas salvam as casas. Acho que por isso nunca gostei muito da casa onde cozinha e sala são conjugadas, sobretudo quando há uma televisão. A sala para minha memória mineira é de conversas de recepção, enquanto a cozinha tem conversas cozidas ou em vias de cozimento. Peut-être uma antropofagia no interior das casas, os próprios moradores se cozinhando para se degustarem em conversas que nem os divãs suportariam.

Carol Gomes
O cinema morre, pois, de sua mediocridade quantitativa. Há, todavia, uma razão ainda mais importante: a arte das massas, a abordagem das massas, que não devia separar-se de uma acessão das massas ao título de verdadeiro sujeito, caiu na propaganda e na manipulação de Estado, numa espécie de fascismo que aliava Hitler a Hollywood, Hollywood a Hitler. O autômato espiritual tornou-se o homem fascista. Como diz Serge Daney, o que colocou em questão todo o cinema da image-movimento foram "as grandes encenações políticas, as propagandas de Estado que se tornaram quadros vivos, as primeiras manipulações humanas de massa", e o que veio atrás, os campos de concentração(1). Foi isso o que soou o fim das ambições do "antigo cinema": não foi, não foi só, a mediocridade e a vulgaridade da produção corrente, foi antes Leni Riefensthal, que não era medíocre. não houve desvio, alienação, numa arte das massas que a imagem-movimento teria primeiramente fundado, ao contrário, já de início a imagem-movimento esteve ligada à organização de guerra, à propaganda de Estado, ao fascismo comum, histórica e essencialmente(2). Somadas, as duas razões, a mediocridade dos produtos, o fascismo da produção, podem explicar muitas coisas. Por um breve momento, Artaud "acredita" no cinema, e multiplica declarações que aprecem coincidir com as de Eisenstein ou de Gance, arte nova, pensamento novo. Mas logo desiste: "O mundo imbecil das imagens preso como que em miríades de retinas nunca fará perfeita a imagem que foi possível fazer dele. A poesia do que poderia ser, e não é do cinema que se deve esperar..."(3).

[DELEUZE in Cinema 2- Imagem-tempo, p. 199]

(1) Serge Daney, La rampe, p. 172.
(2) Paul Virilio, Guerre et cinéma I, Logistique de la perception, Cahiers du cinéma - Editions de l'Etoile.
(3) Artaud, La vieillesse précoce du cinéma, Oeuvres complètes, Gallimard, III, p. 99. (texto de ruptura de Artaud com o cinema, 1933).