15 de julho de 2014

eu tenho um cabaré!

Lá sou a mais faminta das cafetinas; dou e devoro a despeito dos olhares julgadores alheios.

Dou às interrogações professorais do Deleuze, e, cômo salivante suas criaturas filosoficamente estetizadas. Do Deleuze enrabo todas, embora na hora do gozo me regaço inteira em líquido desregrado das faculdades. Pego-me oferecida de quatro, em pé, esticada no chão, pressionada na parede, molhada no chuveiro sem cair uma gota. Óh! Deleuze me prazera sensitivamente num movimento contraidamente selvagem e animal.

O mais emputecedor e discreto, és Platão. Grega é sua nacionalidade aparente, porque na suíte ele é um africano lorde. Me adentra sempre dialogando, e num tempo partícipe me sequestra para compor, rebaixadamente, suas louquíssimas hierarquias orgiásticas. Nele e com ele me visto de todas as almas, da guerreira altiva à artista que expulsa grita gemendo: seu puto! Sei lá por quais motivos é um dos frequentadores contínuos do meu corpo. Quem sabe porque condena-me justamente por ser um mero e aprisionante corpo. Sempre que parte, vejo em relances sua sombra presentificada em: “será que depois de Platão prazerarei novamente?”.

Como toda cafetina vivo também as rapidinhas. Ah, das tantas lembro a do Barthes, o popular Barthes. Chega, tira a roupa, fode e pronto. Viro a página e me pergunto: deu?!

A trepada com Locke foi interessante e uma única vez. Chegamos à cama com agendas bem definidas, horário cronometrado. Um ser amarradinho, meia e cueca combinando, e de quebra um suspensório, erradamente grampeando a cueca. Ridículo mas estranhamente um elemento erótico. Segundo um tal tratado da natureza fui trabalhando e erguendo minha propriedade corporal, e ele, o Locke, silenciado demonstrava “ir” sem “chegar”, fuder sem gozar, tipo coito reprimido. E nessa “lenga-lenga” ficamos uma semana, para dias seguintes eu avaliar: foi bom para alcançar o fim e cumprir a agenda!

Na mesma agenda, semana seguinte, estava a Hannah Arendt. Caramba, o que será?! Preparei o cabaré, troquei as roupas de cama, troquei as toalhas, lavei o cinzeiro, desliguei o telefone e isolei a campanhia. Tomei um banho demorada, depilei as páginas, coloquei uma super roupa no estilo estudante-universitária. Quando ela chegou meu diafragma travou: nú, que mulher é essa?! Um misto de amargura-doce-maternal. Fomos nos virando num vai e volta de letras. Sempre olhava desconfiada para ela porque sabia que ali tinha um Agostinho santo e um moralista Kant; mas vai lá, depois de um tempo ela me seduziu, deveras com dificuldade de entendimento (da minha parte, claro!), e creio mesmo que só lá pelas findas páginas é que relaxei os músculos chamando o úmido, subitamente, quando moveu seu olhar na direção do meu e tragou algo como que: “só educa quem ama o mundo o suficiente para querer que ele continue”. Despedimos e ela saiu, elegante e ereta. Sei que voltará outras muitas vezes, como de fato voltara mais umas 2 ou 3 recentemente.

No cabaré acham que foi com Deleuze que aprendi trepar com plateia. Óh, ingenuidade! O feito veio do Marx. Nunca vi igual, jamais chegava sozinho, sempre acompanhado de um grupo, e junto os tais do Engels e Gramsci. Estive com o Marx um tempo possível de contabilidade considerável, embora sempre flertasse escondido com  o outro titã de nome Bakunin. Marx era costumeiramente fantasioso, exigia cenários na cama e não abria mão das cadeiras para os convidados. Engraçado, me lembrava muito os “bombados” de academia que malham se exibindo para o espelho e para os que rodeiam. Todas as posições eram combinadas para que o coletivo assistisse. Sem dúvida que Marx gozava com os suspiros da plateia, e eu gozava na duplicidade desses mesmos suspiros, tipo um espectro que você insiste acreditar ao ponto de sentir pairando mas sem jamais saborear. Era estranho mas me excitava, tanto que insistíamos na trepação.

Não sei se chamo de sexo estranho ou sinistro, só sei que era desafiante todas as vezes que o Nietzsche chegava. Primeiro grande desafio era o bigode (muito mais terrível que a barba do Marx); um bigode que guardava cheiro próprio e que nenhuma das minhas faculdades encontrava semelhante. Na verdade foi o Deleuze quem apresentou o Frederich ao cabaré. Claro que eu já tinha escutado falar dele, mas daí, experimentar sua transa foi outra novela. A primeira vez foi mesmo muito estranha, chegou muito sério com uma caderneta transbordando escritos em notas musicais, palavras com símbolos gregos e também algumas poesias. Ele gostava de trepar no banheiro e no sofá, tudo inesperado, como se de uma palavra estranha já nos agarrássemos e explodindo uma quentura louca e alucinada meu corpo entrava todo no dele que por sua vez já estava internamente em mim. Isto me dava muito medo, muito mesmo. Sentia minhas forças vitais vibrarem, meu organismo se auto-consumir, minhas moléculas se expandirem e as células ficarem pequenas para comportar. Nas nossas transas eu bebia apenas após o gozo, bebidas fortes ao som de músicas alucinógenas. Ao mesmo tempo que era um sexo animal (e maravilhoso), era também atormentador. Ao acabar ele seguia rumo à porta e eu ficava estagnada na cama olhando aquela estranheza fluindo como que partículas físicas da luz. Eu hein?! Sempre muito sinistro. Em fato nem o achava tão bom de cama, era tímido, calado, mas a atmosfera que trazia consigo era hipnotizante. Fato inquestionável é que depois dos gozos com ele, não mais me satisfazia com “meia boca”, desejava sempre a enésima potência. Foi Nietzsche quem me ensinou calmamente a dançar na hora do sexo... bailar no chão do quarto sabendo da quentura da cama. Estranho e viciante!

Nossa, experimentei brevemente transas horrendas, Habermas e Sartre, credo! Sem comentários! Não digo que apenas por eles, certamente devia-se aos meus dias de forte TPM; prefiro nisto crer.

Dilthey esteve no cabaré num momento fotográfico e deliciosamente se permitiu entrar no meu ensaio-experimental-fotográfico, ainda que na despedida tenha dito: “Envolvente, embora sem entendimento!”. Com razão, peguei escancaradamente seu “enigma da vida” e coloquei com os “Duane Michals” pendurados por todas as paredes do quarto. Foi um sexo de flash; para cada gemido uma captura da luz.

Ah quantas transas nesse cabaré diário de pensamentos. Prostituição viva de conceitos e sensações. Não haja, indubitavelmente, uma página que eu não leia experimentando, dando-me e devorando.

Passaram e continuam a passar vários, oficiais e nem tão oficiais; nomes dessa sedutora história da filosofia. Às vezes europeizada e às vezes super trópica (diga-se aos comentadores alimentadores ‘orgiásticos’...).

Causos antropofágicos das páginas de Foucault, Aristóteles, Descartes, Heráclito, Anaximandro, Kant... hoje, presentemente, Bergson. Alguns que já nem lembro. Outro que me seduziu com flores e Napoleão, o ‘ergueiro’ das aparências escondidas que só ele via: Hegel.

No meu cabaré passam também sofistas e passam artistas, sempre! Os cientistas ensaiam passagens vestidos de personagens de tantas literaturas, ao estilo: “o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu...”.

Nesse cabaré tenho desaceleradamente regaçado minha fome amante nos meandros de pensamentos vivos que transbordam pulsando. Sempre usando e abusando das páginas-imagens.

Sim! Prostituindo-me assim tenho saboreado universos contraídos e distendidos numa epiderme sensitivamente pensante.

(lorac semog)
para minha amiga Torino que um dia desvelou o samba da sonoridade da língua grega,
afetos e saudade de você que já não vejo mais. 


  


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