13 de junho de 2009

Adendo... Amor e Tempo



“As palavras são como fazer amor”; assim foi apresentado D. H. Lawrence, pela voz daquela louca-sedutora bailarina que na juventude incompreendera o amor do velho-jovem. Como a memória me ajuda vivificar aquela dança do vestido vermelho, o olhar voluptuoso a envolver e simultaneamente expulsar o outro que a sua frente insistia em contemplá-la. Depois de algumas cenas o olhar desconfiado, bem à mineira, se fez inevitável quando da figura um tanto promíscua e pobremente mundana que o artista-diretor insistiu (inconvenientemente) nas cenas cuja bailarina não menos sedutora assumia a vestimenta de ‘beberrona’. Na busca da figura artística tudo começa com o relógio dando lentos passos no sentido contrário ao que habitualmente nos acostumamos acompanhar. Um imenso relógio, que quando retirado o pano que cobria tão inigualável provocação, boquiabertos ficaram os medíocres que esperavam uma super-industrial-tecnológica descoberta. Magnífico! Tudo surpreendente naquele instante. O relógio forçando que as pupilas se lançassem a um movimento desconhecido, qual seja, o anti-horário. Nesse contexto é que Lawrence, pornográfico, depravado, me surge na boca da bailarina, que ouso, tentou ao seu modo dançar sintonizada ao ritmo contrário dos ponteiros. Ora, se bailou no coração do velho-jovem, ao menos pisou delicadamente na força contrária de quem também almejou ganhar, amar, além das regras do Tempo, vencida pela condição herdada da mortalidade.



Invocar Lawrence na proposta de diálogo do Amor e Tempo, como fazê-lo? Não sei, sinceramente. As palavras do comentador é que me suscitam, deleuzeanamente me violentam as idéias, sim: “Lawrence glorifica a alegria dos corpos durante o sexo, o que para ele é uma das leis eternas da natureza.”


Leis eternas... esse tal sr. me provoca aderir ao movimento contrário dos ponteiros, ou mais ainda (assim julgo) forçar uma parada temporal, sem recriminações reais, sem prisões psicológicas. A alegria dos corpos durante o sexo, ainda, a alegria dos olhos quando do encontro um no outro, a alegria da sedução quando do duplo querer, toma artisticamente o caráter atemporal, sendo portanto eterno na aparente não eternidade.


Um outro tal sr. Paul Ricoeur me aparece transliterato dizendo alto e em bom som: “o tempo só se torna tempo humano na medida em que é articulado de um modo narrativo”. E agora José? Ensurdecedor continua violentando meus ouvidos, martelando meus pensamentos: “haveria uma certa continuidade entre os acontecimentos esparsos em que as vidas humanas se vêem envolvidas e a narração de histórias constituídas pela tessitura de um encadeamento entre episódios em tudo semelhantes aos acontecimentos de uma vida singular”. Ao que me parece, Paul Ricoeur encontra a bailarina sedutora, dá-lhe as mãos, convida Lawrence para um brinde, e não satisfeito toma o gigante relógio anti-tempo e ergue, como ensinou um anônimo, no marco zero de uma entre tantas cidades imagéticas. E ali regam goles a goles o diálogo Amor e Tempo.


Eu, como mosca invisível, não aquela que pousou na sopa, mas aquela curiosa que todos num momento ou outro desejamos travestir, fiquei a ouvir o diálogo. Eis que o Amor desenvolvido como espaço liberto de temporalidade. Eis que o Tempo força rígida que impõe veladamente seus limites. O Amor enlouquecedor dos sujeitos que o ousam, o Tempo torturador dos sujeitos que também o ousam. Então, mortais os sujeitos que ousam duplamente Amor e Tempo, pois assim iniciam sábios da loucura e da tortura que os aguardam. Eis uma questão: a loucura do Amor e a tortura do Tempo não é justamente a garantia de se colocar além do espaço dissimulador da realidade?

Que venham mais... artistas, artistas... que me venha a Arte mostrar o que a realidade por si não se propõe, não por indesejável bondade, tanto por condicionalidade...

Carol Gomes

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