2 de outubro de 2009

Tenho um senso apurado de irresponsabilidades
Não sei de tudo quase sempre quanto nunca

Manoel de Barros (Retrato do Artista quando Coisa – 1998)



Como eu poderia prever que toparia com uma criatura assim? Claro que não, tanto por não ser dada às previsões, ainda pela doçura do encontro com as palavras ‘manoelitas’...


Como ‘um passarinho me árvore’? Esse ‘passarinho me transgrediu para árvore ... ele mesmo me bosteia de dia e me desperta nas manhãs’. Depois dessa jamais um passarinho continuou a ser o que era, tanto mais as árvores que tomam forma de mim, assim não ridículo amar a árvore, ridículo sim ter na árvore ‘manoelita’ aquela habitual árvore. Não creio que esse poeta-pedra despreze a árvore do hábito, abismada fico na percepção de que ele tira outra árvore da própria árvore, sendo que uma nova e diferente, talvez tal como se tirou o fogo da árvore no atrito do aparente semelhante...


Como ser a 'irresponsabilidade'? Ah, não sentar no banquinho de madeira sem o ‘insossego’ de sentar em si mesmo. Puxa Manoel, fizeste do meu mundo o eterno movimento dos eus-outros, tanto para além do só humano, ou melhor, tanto por entre os não-humanos...


Como ‘vou deixando pedaços de mim no cisco’? Se assim, todos os ciscos me são e sou todo cisco, de modo que sou o todo e o todo me é. Loucura, o mundo me é. Por essa ficou devedor ao me enlouquecer. Vesti-me de árvore para chegar em você...


Como ‘Ilha Linguística’? Se não fosse a Rosa, que por instinto revestiu gravanha de espinhos, me dissesse que ‘sabedoria se tira das coisas que não existem’, na certa estaria eu ainda a ler suas páginas sem olhar para o mundo com olhos de quem busca ouvir o silêncio fotografado – o que não existe... será?
Carol Gomes

Nenhum comentário:

Postar um comentário