23 de junho de 2011

¼ de hora para meia-noite do Allen



Ao instrumental de Come On In My Kitchen com Blues Etílicos, lanço-me destilante no tão falado ‘Meia-noite em Paris’.

Livre, leve e solta... sem documento e respeito às críticas profissionais, tanto quanto aos gratuitamente admiradores do mocinho Woody Allen, digo: Gostei, mas... fazendo esforço para tal.

Woody Allen mostrou que conhece o universo da sétima arte, das pontas ao avesso. Cenas lindas, fotografia para quem tem $. Novamente utilizou o encontro das artes, tal qual em Vicky, Cristina, Barcelona. Bruxo que coloca no caldeirão, belo artístico e belo físico; veja-se por Carla Bruni como guia de museu... ui!!! Se já é estimulante visitar museu, pensa com uma Carla Bruni na direção?! Ah, diga-se, sedutoramente podando um pedante de plantão.

Pois bem, como não sou familiarizada às tecnologias, assisti o filme apenas uma vez no cinema, embora a vontade fosse de já ter minha cópia conseguida dos ‘baixismos’ da intergaláctica rede. Assim, me aventuro escrever minguadamente sem atentar às nuances de algumas cenas.

Um filósofo francês, escrevendo sobre um outro filósofo que não é de todo alemão embora conhecido como sendo, escreveu certa vez:

duas horas de um mesmo mundo, dois momentos de um mesmo mundo, meia-noite e meio-dia, a hora em que os dados são lançados, a hora em que caem os dados [...] dois tabuleiros da vida, que são também os dois tempos do jogador ou do artista. Abandonarmo-nos temporariamente à vida, para em seguida fixar nela temporariamente os nossos olhares
[GD em NF, p. 41].

Ora, que diabos haverá de ter o recorte acima com o filme? Pois bem. O relógio bateu vezes repetidas, justamente à meia-noite, momento que anunciava a inserção do ‘ex diretor-atual escritor’ Gil no mundo paralelo passado de uma Paris dos 20.

Certo. Meia-noite Gil lançava os dados e abandonava-se vivamente ao tempo que tomou por idade de ouro dos escritores. Woody Allen abriu para o personagem o diálogo contemporâneo com os Fitzgerald; E. Hemingway; Picasso; Dalí; Buñuel e vários outros; e a fantasia de escutar de Stein, a Gertrude: ‘o artista tem o antídoto para o vazio da vida’; e não só, teve seu livro lido e carinhosamente esmiuçado por ela. Gil ganhou de Allen a maravilhosa Adriana que gozara de outros renomados artistas, entre os quais Picasso e Hemingway. Ora, o escritor foi presenteado com a moça que ‘endoida’ os grandes escritores, ganhou de presente uma das fontes para a escrita automática. Ganhou o fêmeo oculto que transborda de grandes obras. Oh! Marca da própria Stein que polemiza atribuindo à mulher um gênio reativo em pinceladas do Picasso, por exemplo.

Sim, digo e redigo: Woody Allen não fez um grande filme, fez um filme para massagear a vaidade de quem-acreditemos gozar de grandes obras paridas por grandes artistas. E também a própria dele na tentativa de mostrar que tem acervo cultural no cérebro. Percebe-se pela excitação na sala do cinema a cada aparição de um artista conhecido. Quando Dalí aparece, nossa!, todos gargalham. Que coisa, não?!?!

Woody Allen até conseguiu insinuar o lançar de dados, embora tenha misturado confusamente os tempos. Longe de mim condenar o rapaz, tanto porque talvez não fosse a pretensão do longa, embora tenha tentado um paralelo entre o crítico de arte e o artista, daí a figura do pedante John que rouba a noiva Inez do escritor Gil, sendo que Gil pouco estivesse preocupado com a pragmática do seu casamento, estava em vias do parto, parir um livro como terapia para crise de um diretor que fez e vendou, embora não tenha feito a si mesmo como criador.

Para a meia-noite filosófica faltou ao diretor dos oclinhos ¼ de hora, faltou o silêncio dos dados rolando. Faltou a criação que se distancia da técnica sem proposta oculta, a criação que não dialoga com o tempo, não dialoga porque ela vive o tempo sem retidão. Não é uma questão de voltar aos grandes dos anos 20, é uma questão de entrar nos grandes. Voltar é voltar e voltar, daí devo admitir o belo diálogo de Gil com Adriana sobre o tempo passado. Daí reconheço também, a fala de Hemingway ao dizer que não se daria o trabalho de ler a obra de Gil, posto que já sentenciava de prontidão como não tendo gostado, pois se lesse não gostaria por dois motivos, ou por ter inveja de escritor ou por não ter gostado efetivamente. Brilhante! O artista não pede a qualquer outro artista avaliação da sua obra, ele pare (parir) a obra, ele cospe a obra involuntariamente. Tem clareza de que a técnica é como o fogo para amolecer o aço, nada mais, sobretudo porque o aço é o aço e o fogo é o meio para estilizar e não para criar. A criação já está na obra, é da obra.

Meia-noite em Paris, um bom filme, mas não um grande filme; não uma grande obra do cinema. Woody Allen indiretamente pareceu-me pedir a avaliação de grandes artistas de outrora, caiu na tentação dos que almejam criar mas com o medo da morte. Ensinamento saído das páginas de Hemingway e repetido no próprio filme. Gostosa a película? Sim, mas só gostosa por se valer de técnicas requintadas, embora o deleite fica para quem toma a arte como acervo elitizado.

A mim, ficam recortes recortados do esforço para gostar do filme.

Lamento as arestas selvagens de quem não sabe apreciar os gênios voluntários. Cinema para mim tem que rasgar sem dó, abrir janela que se quer existe.

Carol Gomes

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