25 de setembro de 2009

Não sei o que aconteceu.’ Pensei.

Impacto da capa: “Como pensa e vive um assassino”. Nessa chamada nada sensacional que me prendesse. Abaixo a provocação: “Acompanhamos um mês da nova vida de xxxxxxxxx, o (profissão) que matou e esquartejou a amante - e hoje estuda direito e filosofia”.

Pronto! Peguei a isca. Ainda titubeei entre comprar a revista ou contentar-me com a leitura do material digital que a editora disponibiliza. Acabei por ficar com a segunda opção pensando que mais uma revista ocuparia espaço no pouco que já disponho para guardar meus acúmulos, além do quê bate aquela medíocre mania de que seria mais uma contribuição legitimadora desses periódicos semanais que talvez deixem a desejar.

No conjunto da capa a isca me seduziu por quatro inserções: ‘pensa’, ‘vive’, ‘assassino’ e ‘filosofia’. O que se poderia postular a partir da relação destas? Foi nesse sentido que dispus à leitura da matéria. Ah, como parte do conteúdo havia uma foto cujo assassino remetia às tantas outras imagens de filósofos europeus solitários caminhando por ruas e praças vazias.

O texto começa num apelo emocional interessante, descrição suave das características físicas associadas aos trejeitos do ‘assassino’. Diga se não é uma grande sacada começar a matéria dessa maneira?

De cabeça baixa, calva à mostra, ele vasculha uma imensa bolsa preta de alças compridas. Estende a mão direita, olha nos meus olhos e faz um desafio:
– Me acha nesta foto.

Aqui meus parabéns antecipado à jornalista que ao menos de mim tirou ‘luzsegundos’ de comoção pelo indivíduo.

Depois da mestra abertura o entrevistado ao tentar desfazer-se da roupagem de assassino invoca Sócrates como figura injustiçada pela sociedade grega. Oh meu caro, fiquei no questionamento de que Sócrates não fora condenado tão e somente pelo que apresentastes na entrevista, o grego barbudo além de figura mitológica (a que foi transformado), colocara para os homens a questão crucial do que seja Vida e Morte. Nesse sentido creio que Sócrates seria bem mais útil ao contexto. Então, não perguntaria à jornalista se já teria ela lido sobre o julgamento de Sócrates, diferentemente seqüestraria Sócrates na invocação da perturbação: “Que valor você atribui à vida e à morte?” Desse modo estaria tu vestindo-se de Sócrates e aí sim se legitimando a valer do que chamastes de condenação injusta.

Não contente remenda Sócrates com Descartes. Muito boa! Gostei de fato. Eis que aparece o problema. Descartes condenou os sentidos e valorizou a razão, assim fiquei na pergunta do que adiantaria a argumentação de quê surtou ao ser pressionado pela vítima e tendo amnésia temporária retomou a consciência já com o corpo esquartejado em sacos de lixo. Assim meu caro, vejo que tu se condena ao utilizar Descartes, pois Descartes talvez lhe diria num linguajar bem próximo: Quem mandou tu entregar-se às intempéries da vida. Além, lembro-te que Descartes é fonte da ciência que hoje direciona o processo, tanto a jurídica quanto a médica.

A matéria continuou a me prender ao apresentar a discussão da agenda atual com o tema da mente humana. O assassino diz que surtou. Um indivíduo que apresenta condições aparentes de condução satisfatória da vida, tanto que se dedicou aos estudos da própria medicina, julgando eu minimamente ter estudado algo da mente humana e assim conhecedor do seu provável diagnóstico (aparente anormalidade quando exposto às pressões afetivas), assim como depois do assassinato continua a estudar. Voltando à pergunta socrática que creio caber-lhe melhor, diante dos valores da vida e da morte, o que a sociedade hoje remete ao ‘surtei’. Parece-me que tanto Sócrates quanto tu trilharam caminhos diferentes do questionamento. Talvez Sócrates não estivesse surtado tomando as referências gregas ao questionar o jurado o que se tomaria por justiça, tanto menos ao aguardar a cicuta anunciar aos seus admiradores que a morte pudesse ser uma oportunidade de conhecer o desconhecido. Não seria recomendado o destaque de que a figura socrática do qual se utiliza não seja mais platônica do que realmente um homem injustiçado por sua época?

Veja meu caro entrevistado, não estou a julgar-te, estou apenas a divagar com suas falas... forçando meu pensamento a conflitar a inferência que fizestes de ladear um tal injustiçado anterior ao mundo cristão e um tal injustiçado do mundo cristão, posto que lançar a sabedoria como luz às noções de vida e morte, requer bem mais do que um mero recorte histórico. Aconselho-te ousadamente: deixe esses recortes aos teus advogados que na certa eles se dão bem melhor com a retórica.

Desculpa a intromissão, não poderia eu passar indiferente à chamada da capa.
Carol Gomes

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