15 de setembro de 2009

Expressiva imaginação perigosa

Uma questão: Qual a medição do inatingível no ser humano?
Dessa ponta lançam-se tantos comentários que ‘volta e meia’ se vêem impelidos pela estranheza da obra de arte.
Diante de uma obra, que por algum traço me inquieta, assumo que fica a borbulhar nessa mente medíocre a envelhecida questão: O que é a Arte?
De tantas inferências excitantes, há uma que muito me toma que fora lançada pelo inglês Sr. Aldous Huxley: “Depois do silêncio, aquilo que mais se aproxima do inexpressível é a música.” Ora, certo que já se coloca outras questões como p. e. a hierarquização das artes, no entanto desfazendo-me dessas questões me prendo na noção de ‘inexpressível’.
Poder-se-ia aproximar inatingível a inexpressível, ou vice-versa? Especulemos... enfim, o que nos resta.

Edward Hopper, Nighthawks, 1942. Art Institute of Chicago

Puxa, utilizando a ferramenta virtual na busca dos comentários que se seguem a essa pintura de Hopper, logo aparece: “Realista imaginativo, esse artista retratou com subjetividade a solidão urbana e a estagnação do homem causando ao observador um impacto psicológico”. Vixe maria! Espanto-me. O que há de real e o que há de imaginário na obra?
Uma cafeteria assegura o status do realismo? Hum, desconfio. A noite faz-se prova cabal do que se apresenta por real? Pode ser. Já sei, o garçom é a prova viva da realidade onde um serve o outro... não, não, muito pobre esse olhar, limitadamente marxista. Na verdade, creio nesse meu olhar ‘esquizo’ que a tonalidade da formatação ‘realista’ dê-se não e somente à uma provável tematização colocada pelo artista, mas ainda aos aparentes traços precisos do pincel. Pronto, acho que por aqui fico contente com o enquadramento do que seja real para a questão. Continuemos... E quanto ao ‘imaginativo’? Eis para mim o doce-amargo da sentença. Imaginado supor um tal ar solitário que envolve meu caro colega sentado no balcão e que descuidadamente nos dá as costas? Imagético construir que entre a donzela de vermelho e seu moço acompanhante, o diálogo seja tal como em David Lynch em que um coelho diz ‘A’ e a outra coelha responde ‘K’. Que nada, imaginário mesmo é crer piamente que o garçom acaba por ser um providencial terapeuta nas longas noites de solidão. Para mim, e aqui gozando com autoridade da autonomia da obra, a realidade não ultrapassa a constatação de que há outras tantas realidades emaranhadas ao aparente gritante silêncio da cena noturna. Ao imaginário coloco o discurso que produzimos pelo olhar pretensioso do espectador que se veste de público. Na verdade, sentencio: o real talvez se expresse no aparente menos real, e o imaginário molda-se na expressão do que não se vê mas que sobressai por uma tal intuição do olhar alheio.
Sim, e a dupla inatingível-inexpressível? Ora, Hopper é legitimado por balbuciar baixinho ao ouvido do seu público que fixa um olhar curioso palavras silenciosas, posto que como Aldous Huxley é na sola do silêncio que se ouve o inexpressível. Quem ousaria dizer que de fato não há expressividade do inexpressível no silêncio de Hopper? Opa, nem tanto, desculpa o exagero. Retomo: Como não se tontear com o sufocante inexpressivo que insiste entrar no ambiente pincelado?
Como poderia eu não evocar meu amado Manoel de Barros e sua fotografia do silêncio. Hopper talvez não tenha pintado o real e nem o imaginário, ouso de que tenha nada mais que pintado o silêncio ora inexpressível, ora inatingível. Tantas outras provocações Hopper escancara na sua obra, porém creio que por aqui me contento.
Depois desse vôo noturno como ave enlouquecida pelo Sr. Hopper, topo com o canadense Rob Gonsales.

Rob Gonsales, Toronto - Canadá

Lá vem novo comentário à autoria como sendo um realista mágico influenciado por Dalí. Estupefatos os srs. críticos de arte. Como ousar sem referencial e aparato teórico para questionada disposição de ‘ladiar’ Hopper e Gonsales? Sei lá... na rebeldia ignorante me vou.
Veja que maravilha, na certa a magia dessa realidade é o tagarelar dos relógios. O real novamente aos meus intimados olhos medíocres é a profundidade que se expressa na base do que temos por solidez. Cadê a solidão de Hopper em Gonsales? Ora, veja ela ali, no movimento do indivíduo que abre a gaveta. Quão inexpressível abrir uma certa gaveta escorada por multiplicidades outras de construções que ao menos não se sabe se reais ou fictícias. Serão as construções imaginações fictícias? Não será um relógio nada mais que dois ponteiros desocupados que rejeitam o árduo trabalho diário e por isso ficam a fixar uma medição que é por natureza mágica?
Sr. Rob Gonsales, pessoa de quem nada sei, a profundidade está no céu ou no chão? A profundidade está na realidade que vejo ou na realidade que imagino?
Certamente eu nada tenho feito mais que apropriar das obras para satisfazer-me por ora na questão inicial do humano inatingível. Objetivamente pode ser que nenhum dos ambos artistas tenham tomado a questão como central, no entanto, a permissão lançada à mente humana elucida que o inatingível talvez seja aceito como um limite tênue entre o real e o imaginado, posto que na verdade a própria realidade seja uma entre tantas construções da imaginação que em alguns momentos veste-se do concreto e noutros veste-se do mágico.
Nessa miscelânea cansativa de divagações a tentativa nada mais era que passear pela frase excitadamente aceita: “A imaginação pode ser tão perigosa que ao querer se tornar realidade, passa a ser uma realidade em si mesma.”

Carol Gomes

Um comentário:

  1. Bem, que viagem!! rss Deixo aqui o contributo de Pessoa para a questão:
    "A arte é um esquivar-se a agir, ou a viver. A arte é a expressão intelectual da emoção, distinta da vida, que é a expressão volitiva da emoção. O que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possuí-lo em sonho, e é com esse sonho que fazemos arte. Outras vezes a emoção é a tal ponto forte que, embora reduzida à acção, a acção a que se reduziu, não a satisfaz; com a emoção que sobra, que ficou inexpressa na vida, se forma a obra de arte. Assim, há dois tipos de artista: o que exprime o que não tem e o que exprime o que sobrou do que teve."
    Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Fragmento 230

    Beijos, Carol

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