25 de abril de 2011

Pela 'beleza' do diálogo, da escrita... pela sutileza das perguntas e respostas... pela dança nos apontamentos... muito muito bom... taí a partilha. Para mim um diálogo de Platão em pleno séc. XX, originalíssimo; resguardados meus exageros, claro!!! Selvagem, sempre!!!

Abaixo transcrevo crônica do Pasolini... que escreveu diálogos com três atores que filmaram com o mesmo, embora (e sem pesquisar mais sobre essa crônica) julgo que seja criação de personagens para os diálogos valendo-se da atuação dos atores. 
     .
Recortei a crônica, sendo que nesse primeiro momento transcrevo o diálogo com Pierre Clementi; restando os diálogos com Ninetto Davoli e Franco Citti.

---

“Pequenos diálogos” sobre o cinema e o teatro

Estou sobre Etna. Chove, neva, desaparece e a neblina, brilha o sol. Volta a chover, volta a nevar, volta a passar a neblina, volta a brilhar o sol. Tenho, com três protagonistas dos filme que devo começar a roda, os seguintes diálogos:

Eu: Você é terrivelmente igual na realidade e no cinema. E ao mesmo tempo, terrivelmente diferente. Como explica isso?

Pierre Clementi: Porque, quanto mais entro em mim mesmo, mais encontro coisas que não conheço. Por isso, quando estou diante da máquina de filmar, sou “eu mesmo à procura”. Por outro lado, há muita diferença entre realidade e cinema: porque o cinema é um dos meios para representar a realidade. Com um filme, é possível reconstruir um mundo: na realidade, é mais difícil. E, todavia, o cinema é um dos instrumentos que podem reconduzir os homens à realidade.

Eu: Por quê? Você crê que os homens não vivem na realidade?

Pierre: Sim, sim, mas creio que a televisão e todas as outras instituições (digamos: mass media) afastam o homem da realidade...

Eu: Franco Citti diz que realidade é pureza.

Pierre: Sim, é verdade, mas o tempo destrói a pureza. O cinema exerce muitas funções: contanto que um filme exerça a função da pureza.... Para fazer cinema puro, é preciso trabalhar com gente pura. E isso, com certeza, o cinema comercial não faz...

Eu: E, então, o cinema comercial representa o quê?

Pierre: É um comprimido para dormir. É feito para uma sociedade que se ocupa em digerir. É feito por homens vulgares que acreditam que os outros são vulgares.

Eu: E qual seria a sua maneira ideal de fazer cinema?

Pierre: Fazer uma viagem que tivesse, no fundo, a vida e a morte. Por exemplo: partir com uma equipe de homens que têm as mesmas necessidades, as mesmas aspirações etc., e chegar a criar algo tão forte que supere a realidade...

Eu: Em que direção?

Pierre: Bem. O homem faz sua viagem sozinho: e isso é a realidade. Deus, pátria, família etc., isto é, os hábitos, são a culpa dessa solidão. Restam então duas soluções: ou pegar um fuzil e atirar, ou pegar uma máquina de filmar e fazer cinema: assim se vai além da solidão.

23/nov/1968
----
[Pasolini, P. P. Caos: crônicas políticas. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Ed. Brasiliense: São Paulo, 1982. p. 78-82]

Um comentário: