22 de maio de 2011

As releituras... como são gigantes quando diabólicas, sequestradoras.

Sequestro 1
Parido: Ol’ Man River (Oscar Hammerstein II e Jerome Kern)
Cuspido: Sábio Rio (Carlos Rennó e Jaques Marelenbaum)

Na interpretação do João Bosco e não menos na interpretação do Simoninha... ficou mais que tupi essa canção, selvagem, visceralmente selvagem, sem perder a leveza tão necessária para dor do existir...

Incrível como o maestro conseguiu nas tocadas reconstruir o movimento do rio, o vai-indo-vindo. Para o ouvido não civilizado à erudição da música, a canção é ‘transvista’ como que um quadro, uma linda pintura... o músculo de pele negra, suada na beira do rio.

Ora, essa canção discute sim questões políticas, mas para mim, discute muito antes a gigante nietzschiana metafísica artística. Agruras da vida...

Se belo é o encontro da letra com as notas sonoras, mais bela se fez a expressão do trecho que imensamente custa à existência:

‘Já estou cheio
Sofrer me frustra
Viver me cansa
Morrer me assusta
Mas sábio rio
Vai só rolando ao léu’


Sequestro 2
Parido: Over The Raibow (E. Y. Harburg e Harold Arlen)
Cuspido: Mais Além do Arco-Íris (Carlos Rennó e Jaques Marelenbaum)

Essa na interpretação da Zélia Duncan, embora para mim, interpretação que haveria de ser (inegavelmente) da Mônica Salmaso ou da Izzy Gordon, é uma das maneiras mais sutis que já topei que questiona os limites do existir, embora simultaneamente afirme com doçura a vida, presenteando-a com o não limite azulado-colorido do céu, como na passagem: ‘no teu sonho mais louco se realizará’.

‘Há uma estrela eu pedirei
e no alto céu acordarei
Um dia...
problema vira picolé
por sobre antena, chaminé
e a nuvem fria

Mas além do arco-íris
no alto céu
voam pássaros raros
Por que não posso eu?
Se pássaros avoam no alto céu
Então por que não posso eu?’


Sequestro 3
Parido: Bewitched, Bothered and Bewildered (Lorenz Hart e Richard Rodgers)
Cuspido: Inquieta, tonta e encantada (Carlos Rennó e Jaques Marelenbaum)

Vai lá... a Maria Rita novamente. Tudo bem que sempre digo a mesma coisa e aqui repito. Minha geração não teve a Elis com sua rasgação que fazia mortais flutuarem, mas vai lá, temos o seu escarro, Maria Rita... enfim, essa canção na voz da Elis arrancaria todo o líquido do corpo em lágrimas, e claro, muitos drinks, fortes... fortes...

Quantas mediocridades não encantam, não enlouquecem prazerosamente e marcam segundos de um longo existir? Atenção: um longo existir... que aparece, some e tende a retornar estando... ‘mas hoje eu já adolesci demais’... Ah! Quantos pudores e inocências para viver esse ‘um longo existir tão breve’.

‘Ao falar ele sente travação, timidez
Mas horizontalmente, falando ele é dez
Perplexa e fim, conexo enfim
Com graças a deus muito sexo enfim
Inquieta, tonta e encantada estou

Tive um surto dispéptico
Mas viver já não dói
Tenho peito antisséptico
Desde que você se foi

Romance, finis
Sem chance, finis
Calor a invadir o meu colã, finis
Inquieta, tonta e encantada não mais’

Carol Gomes

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