8 de junho de 2014

Seguindo os fatos, quase fiéis ao atualizado

A poltrona B11 cuja marcação parece código de vacina ou ônibus cheio no fim do dia, mostrava-se num forro vermelho. Na vizinha B10 sentou uma garotinha com o pai. Hum, interessante: os pais levando os jovens para o teatro.

Com o encarte da peça na mão - Nonada - a garota começou a leitura tecendo comentários do tipo:

- Olha só, Guimarães Rosa, tinha problemas com excesso de peso, sedentarismo e fumava. Ê pai, esse Guimarães Rosa vivia tudo errado!

Primmm, meu radar para mínimos-micros-silenciosos-anônimos eventos entrou em ação. Comecei numa ruminação noética sobre os encontros dentro de um tempo engraçado que não o oficial.

A peça que não começava, a garotinha que continuava fazendo seus links, e eu ruminando tirei a dose poética da bolsa e fui enfim tomar o gole que deveras ter sido da noite anterior:: "Ziguezagueando..." da dose, só o título desceu!

Voltei a concentração para a conversa da garotinha e no pós apresentação fechei a noite com a digestão assim:

- 'Viver é negócio muito perigoso' mesmo, e depois de já sem vida, esse perigo continua se dobrando e dançando... vai e volta ele surge, inclusive na zombaria de uma garotinha que sem saber dos sertões se colocou no tête-à-tête com o escritor e deu-lhe, ao seu modo, a lição do seu tempo: 'tá vendo? quem é sedentário vive menos'.

Ainda que vivendo prolongado nos perigos da sua obra, naquele instante, Guimarães passou a ser apenas mais um descuidador da sua saúde.

E a peça para mim, foi ao palco e sentou ao meu lado... um e outro: Guimarães e aquela garotinha tão anônima que nem faço ideia do nome, nem tampouco dos traços físicos, porque a mim, valeu mesmo foi sua voz construindo uma nova narrativa, longe de holofotes e cânones.

Dose poética... nem sempre na garrafa e nem sempre na hora certa!

Carol Gomes

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