18 de novembro de 2009

Vida, o enigma da...

Uma sentença que com tamanha frequência li e ouvi é a que um célebre pensador se faz não pelas respostas que lança, mas pelos problemas que formula. Engraçado como diferente de tantas frases 'chavões' essa sempre me tomou por aceitá-la passivamente enquanto inferência verdadeira. Parece-me que alguns problemas assumem caráter universal, posto que permeiam, julgo inocentemente, o pensamento de todo e qualquer indivíduo, entre os quais o problema formulado na pergunta: O que é a vida?

Como de costume prostrei silenciosamente noutros questionamentos, talvez de menos rigor filosófico, sobre uma classificação dos problematizadores, ou seja, a pergunta O que é a vida? lançada pelo artista é a mesma pergunta feita pelo filósofo? Além, a pergunta filosófica equivale-se à pergunta artística e até a pergunta científica? Ora, a provocação é essa mesma, linguisticamente estaríamos diante de uma pergunta universal, no entanto não teríamos emaranhado à própria pergunta os desdobramentos da resposta?

Um tal Sr. Dilthey nos últimos meses me aparece colocando novamente a conhecida questão do que seja a vida, ainda, o que seja a própria filosofia. Ora, Dilthey realmente assume um certo ‘ar’ romântico alemão, que a princípio gosto muito inclusive pelo uso sutil das palavras, no entanto, não foram suas considerações sobre as ciências do espírito que me prenderam, tão pouco a compreensão de que a filosofia seja um pensamento profundo sobre a vida. O que de fato sobressaiu dos escritos do rapaz foi justamente a base para o título deste esboço que me arrisco, qual seja O enigma da vida, subitem na obra Os Tipos de Concepção de Mundo. Transcrevo o trecho que Dilthey aponta, sabe-se lá um problema ou mera constatação:

O centro de todas as incompreensões situa-se na geração, no nascimento, no desenvolvimento
e na morte. O vivente sabe da morte e, no entanto, não pode compreendê-la.

Saber da morte e não compreendê-la estaria a garantir justamente o status da pergunta o que seja a vida? Dilthey partilha da noção historicista que fundamenta o pensamento no movimento próprio da vida, assim, compreender a vida seria sobretudo decompor a vivência humana, considerando como elemento central o que ele chama de experiência interna, aquilo que ao meu primitivo entendimento tomo por experimentação singular da vida. Nesse sentido retomaria a cândida crença de que todos num momento da vida se colocam a perguntar o que ela seja, e talvez seja nesse aspecto que se possa argumentar sobre a grandiosidade de um pensador a partir dos problemas formulados.

Todos perguntamos O que é a vida?, pressupõe-se. Ampliemos a crença. A mesma pergunta feita por um economista assume igual tonalidade que a pergunta feita por um sociólogo? Questão interessante, inclusive porque para Dilthey ambas ciências estariam classificadas nas ciências do espírito; para além a provocação remete à universalidade da pergunta, ousando de quê a grandiosidade não seja somente a formulação dos problemas, já que a própria formulação estaria a prever um acervo referencial para compreensão dos limites do problema. Ou seja, formular um problema não se restringe apenas a lançar perguntas, ainda, compreender a natureza do problema. Desse modo, imagino o quão interessante não seria reunir num espaço campestre, economista, pastor, sociólogo, dentista, engenheiro, oceanógrafo, historiador, físico, sertanejo, administrador, músico, filólogo, cozinheira, político profissional, andarilho e tantas outras ‘figuras’ com a mesma tarefa de rascunhar no céu o que seria (ou é) a vida. Nesse dia a vida deixaria de ser problema universal em questão ao dar lugar para o deslocamento da referência que teríamos até então do céu. A natureza do problema, hipoteticamente, diferiria conforme o ‘olhar do olheiro’, pois como diz um dos mestres 'o biólogo certamente toma ser vivo como algo bem distinto do que tomaria um artista'.

Na certa a grandiosidade do problema não se defronta somente pela formatação da área, no entanto o esforço para tentar demarcar certas diferenças ocorre justamente porque permanece a clareza de que postular o problema é manipular um certo acervo de experimentação singular. Assim, a pergunta O que é a vida? pode ser questão central de toda uma existência para um filósofo, no entanto pode ser etapa evolutiva dos dias de um executivo, por exemplo. Essa diferença não ocorreria, postula-se, apenas pela formatação das áreas, ainda, pela maneira como cada qual organiza o mundo em si e para si.

Aqui penso chegar num apontamento interessante. Uma pergunta universal com diferentes respostas, diferença não só de forma (físico responde pelo movimento, estatístico pelos números), sobertudo de conteúdo. Sendo assim, a equivalência da pergunta não ultrapassa os limites da linguagem, desse modo O que é a vida? seria sim um problema universal indiferente ao perguntador, no entanto, a resposta emaranhada desde o sempre no problema é quem nos revela a grandiosidade da questão, já que tendo aprendido com Dilthey, ao decompor pergunta e resposta, verificar-se-á que essas não passam de uma visão singular do mundo, um modo pelo qual o indivíduo enxerga e se coloca para vida.

Utilizando Dilthey parece que mais uma vez instrumentalizei minha crença na grandiosidade da pergunta e não da resposta, pois com a noção do enigma da vida permite-se compreender que a natureza da pergunta é justamente o prisma pelo qual o indivíduo vive, o foco pelo qual o indivíduo capta sua existência e inclusive a organiza, postulando certezas e simultaneamente as desfazendo.

No diálogo com Dilthey evoco, como não poderia depois de tamanha experiência estética, Henri Cartier Bresson, fotógrafo que parece não apenas escancarar nas suas obras a grandeza dos problemas, ainda nos revela que a resposta pode por vezes ser mais atormentadora que o precedente questionar.

Downtown, New York – 1947

Eis que a Dilthey o gato preto perguntaria: O que é a vida?. Julgo que provavelmente nenhuma resposta do filósofo atingiria minimamente qualquer resposta felina; doutro, o gato preto seria para Dilthey, postula-se, o próprio enigma da vida, visto e ouvido, no entanto não compreendido... pois se sabe perfeitamente o quão um olhar felino desmorona sem igual toda e qualquer certeza, ainda quando lançada na imensidão da solidão povoada de concreto.

Carol Gomes

2 comentários:

  1. Na ilustração acima...


    Um única via, o beco.
    Duas cores, preto e branco.
    Dois animais, homem e gato.
    Um diálago, o que é a vida?
    Uma resposta:
    Tenho uma vida, e você tem sete.
    Logo uma contra pergunta:
    Para que tanta vida?
    No ar da cena, nem sete nem uma vida...
    E sim várias e imaginadas vidas pretas, brancas e coloridas!!


    Abraços!

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  2. Observaçãodo comentário acima: no primeiro verso faltou a letra "a" na palavra "uma"

    Desculpas...

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