5 de dezembro de 2011

Relato infiel de momentos desprendidos do real

Uma cidade que transborda delírios. É dessa perspectiva que se dá o lançamento de um relato abdicado de fidelidade, sobretudo para com uma verdade, e àqueles, que como me ensinou um amigo, salivam com vontade de verdade, permitam-se por minutos à vontade de desejar. Assim, quem saberá?!, poder-se-á percorrer, desinteressadamente, trilhas rascunhadas numa mente alegre em colorido.

Sem definições formalísticas, sem localização geográfica, definições que pouco interessam em nomenclatura, ao contrário,  engessam a liberdade das letras, tecladas, lentamente...

Pouco antes das oito da manhã, um vento frio com chuvisco preguiçoso, imerso num amontoado de pessoas penduradas no ponteiro dos segundos, um atendente de padaria insistia em cantarolar ao receber cada pedido. “Uma promoção para viagem! Um pão de queijo com café! Pão na chapa com suco de laranja sem açúcar para viagem!” Tantos pedidos simultâneos e na agilidade de uma percepção automatizada, o atendente complementava os pedidos. “Manda um pão na chapa para viagem... capricha na chapa porque o gravata tem fome! Pão de queijo caprichado, quentinho e da hora para fazer seu dia alegre!”. Nada familiar a disposição de um moço atrás do balcão em plena manhã de sexta-feira servindo apressados rumo ao trabalho. Certo que do desprendimento desse momento, a mensagem estava posta: os delírios são construídos, por vezes, para evitar o massacre do relógio que adora rodar-rodar sem progredir nas horas. Talvez como olhar insistentemente para os ponteiros e vê-los sempre marcando a mesma posição, quando não se quer enxergá-los.

Sim! O atendente da padaria por certo que não seja a abertura principal de um episódio em três capítulos, embora tão certo ele seja, indiscutivelmente, o portal de estranhezas experimentadas noutros espaços, diferentes apenas na tonalidade cinzenta.

Foi numa tal Casa das Rosas, na garoa fria, que a colagem dos poucos cacos apanhados começou a ser realizada. Tudo cinza. A casa cinza, as cadeiras cinzas, o piso cinza, o guarda-sol num cinza para preto, tão cinza que a chuva mostrava-se à beira do que chamam: grafite. O que haveria de tão especial na tal casa? Nada! Após a passagem pelo portal, o cinzento das horas matutinas não apresentou uma lírica se quer. Nada saiu, tampouco nada entrou em rosas ou de rosas na casa.

Carol Gomes

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