24 de junho de 2015

Dos dilemas que ensinam

Fiz uma escolha hoje a tarde por certo anunciada. Depois de comer pães de queijo caseiros na casa da minha mãe, acompanhado de um guaraná bem gelado, meu dilema era escolher entre 'Casa Grande', filme nacional de 2014 dirigido por Felipe Barbosa ou 'O nascimento de uma nação', filme americano de 1915 dirigido por Griffith.

Por que dilema? Porque assistir o Griffith seria seguir o protocolo diário de estudo, afinal, para quem tem andado há alguns dias por páginas que insistem em tratar a "montagem" como um dos aspectos que fizeram do cinema a arte no trato das imagens, movimento e tempo, assistir ao clássico de 1915 seria um passo e tanto na agenda.

Ora, se nas mesmas páginas que recorrentemente destacam a 'montagem' há invocações ao diretor americano, encontro também, de modo latente, uma insistência, por vezes sedutoramente desmedida, em dar ouvido ao intervalo seletivo, cujo mecanismo imperador é, quiçá, afecção.

Pois bem, se havia um intervalo ínfimo cujo sistema nervoso central multiplicado em atividade de regiões distintas acionadas para decidir qual resposta figurar como reação, resolvi meu dilema tão particular de uma tarde de quarta-feira mineira por 'Casa Grande'.

Por que 'Casa Grande'? Porque 'Casa Grande' é nacional, e de longas tenho apreço pela produção brasileira. Sem delongas em justificação, trata de apreço afetivo e ponto.

O filme começou e logo fui pensando: uai, mas está numa cara de comédia-romântica estilo Woody Allen. A primeira cena do filme, um plano geral da frente de uma casa de três andares, noite com a casa toda iluminada, um homem no jardim se banhando na piscina, que por sinal tinha duas partes, a parte do nado e a parte da massagem. Ao fundo uma música clássica. Alguns minutos depois o homem sai da piscina, desliga a música e apaga as luzes, uma por vez. Ora, mas a música era parte direta do plano?! não era uma música externa de abertura do filme. Primeira sacada interessante de direção.

O filme vai se desenrolando, a gente prossegue fazendo inúmeras análises visuais, o que há magno no filme que ganhou tantas premiações, críticas elogiosas e foi escolhido para figurar entre os filmes da Mostra de Cinema Brasileiro na França?!

As cenas vão correndo e a mim surgiu imediatamente outro filme recente da produção nacional, 'O som ao redor', do diretor Kléber Mendonça. O filme segue e inevitavelmente narrativas de inúmeras novelas globais vão surgindo como influências quase veladas. Aparece também o filme 'Domésticas' do Gabriel Mascaro de 2013 (por sinal, filme cuja abordagem narrativa muito me desagradou) e desse modo tantas outras produções vão me surgindo, 'Central do Brasil', 'Cidade de Deus'...

Vai lá, o que me inquieta a escrever depois de assistir 'Casa Branca' é um duplo impulso de desgosto e de encantamento. Ora, encantamento porque a história narrada é familiar, genuinamente brasileira, sobretudo de um Brasil que vai mastigando suas mutações sociais, bem como familiar por ter figurado em outros filmes. Num outro movimento, desgosto por um único motivo: os nossos filmes serão recorrentemente considerados 'bons' filmes partindo da abordagem das nossas feridas sociais?!

Os elementos textuais são recorrentes: a empregada que recebe o filho da patroa toda noite mas não trepa com ele. A família de histórico popular que ascende a partir do esforço pessoal do pai que gozou anos de cargo em mercado financeiro. A esposa que fala francês e não gosta de palavrões em casa, nem tampouco qualquer referência a sexo, uma camisinha no lixo da casa é motivo de demissão da empregada. A esposa que para negar sexo com o marido, finge que está rezando. Pai projeta no filho esperança de sucesso financeiro. Filho constrói afeto pelo motorista que o levava todos os dias para escola, inclusive é ao motorista que pede conselhos para conseguir a primeira transa. Filho apaixona por menina morena conhecida no ônibus. Filho se revolta contra os pais e vai para favela reencontrar os empregados, aprende a dançar forró, fumar e trepa pela primeira vez, sim, com a ex empregada da sua casa. Detalhe que jamais passaria: uma empregada negra e evangélica e outra gostosona e brega.

Assim como em 'O som ao redor', o desenrolar da história traz um apontamento de narrar os fatos de um suposto ângulo da geração filha ou neta. Em 'Casa Grande', o pivô é o filho, jovem de 17 anos, portanto nascido nos idos 90. O pai, geração anterior, possivelmente nascido nos finais dos 70. A geração do filho figura num desdobramento de orfandade, uma geração que por ter tido tudo, nada consegue fazer, nem mesmo conseguir autonomamente a primeira trepada. O pai, goza de uma geração que conseguiu tanta coisa que endureceu, enrijeceu que não consegue nem mesmo a trepada com a esposa que diariamente dorme do seu lado.

Ora, será isso?

Não descredencio o apontamento que destoa pais e filhos, sobretudo na marcação histórica dos 70 aos 90, mas vai lá, se de um lado há o que tanto fez que enrijeceu e de de outro há o que nada fez que esmoreceu, que víscera social é essa que nos faz minguar?!

Ao fim, o troféu do filho rebelde é ir para a favela e conseguir sua primeira trepada com a ex empregada, enquanto, simultaneamente os pais, geração de 70, sofrem com o sumiço do filho que não dá notícias.

É esse o Brasil repertório que endossa sucesso de alguns filmes bem recebidos das premiações?

O 'Casa Grande' quem sabe cause estranheza e um tímido desgosto, justamente por se mostrar familiar; familiar no questionamento sobre os rumos de um geração, não a dos 70 e sim dos 90, justamente, a que me sucede, porque nos angustiamos com uma geração de open bar cujo sabor da bebida pouco importa, uma geração de baladas cuja música só vale se embalar beijos múltiplos contabilizados nos dedos, uma geração cuja dificuldade de disparar autonomia parece, efetivamente, resvalar num ostracismo assustador, em que atitudes heroicas parecem construídas numa rebeldia que opta gratuitamente por drogas legalizadas, deveras porque o filme traz essa angustia numa perspectiva com purpurinas ao estilo das novelas da globo.

Me surge, ao final, 'Quase dois irmãos', a filha que vai ao morro! o morro que vai à filha! ao fim, o negro que sempre morre, o branco que sempre entra numa fria, vai ao hospital e volta para casa.

A geração do ostracismo é responsável por algo diante da geração enrijecida?! Se esta não é a pergunta, por que insistirmos nesse martírio de heranças mal recebidas e pouco compreendidas?!

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