19 de junho de 2015

dos minguados do tempo de uma antropologia em escrita...
(só porque nunca mais a história do olho do Bataille saiu dos meus olhos)


A capital da vez era a mineira, essa cujo nome traz duplamente uma reflexão estética: uma beleza com horizonte móvel, pois a gente intui esse belo horizonte, embora ele sempre dê um passo para não ser alcançado, eis BH.

Véspera de feriado santo e o que de fato faz jus à santidade é a paciência que as filas e tumultos nos exigem. Fila para pegar ônibus, fila para comprar bilhete, fila para embarcar, tumulto no detector de metal, tumulto de carros para entrar nos estacionamentos, e quando menos espero me vejo premiada a compor um interessantíssimo tumulto, cujas filas são adornos que na confusão das ansiedades particulares fazem do ambiente um território de experimentação imageticamente antropológico: a rodoviária.

A imagem corresponderia com fidelidade de sentido se alguém dissesse: samba no pé que a aqui é a sapucaí. Gente em tudo quanto é cadeira, muretinha, degrau de escada, pilastras transformadas em encosto para uma multidão sentada no chão. Cada qual num samba com ritmo vibrando conforme o tempo de espera para a o embarque.

Identifiquei duas ilhas em lados opostos do piso térreo com tomadas para recarrega dos eletrônicos. Pensa numa disputa de são silvestre com distância de 1 metro, que fazia da vigia a melhor estratégica para o campeão que desejava uma mera tomada desprovida de valoração estética, embora, nesses nossos tempos, valiosa fonte de conectividade. Engraçado como há diferença no quantitativo de tomadas numa casa construída há 15 anos quando comparada às casas com idade menor que 5 anos. Sem contar  que o famoso T virou fichinha aos pés das extensões milagrosas.

Essas ilhas, sabe se lá por qual motivo inexpresso me jogaram de súbito numa lembrança: "meu desafio é parar de fotografar coisas e fotografar gente também". Ora, saltei dessa lembrança para a provocação: "No meio desse formigueiro meu desafio é escrever um tipo de antropologia das coisas sem me fixar nos diálogos verbalizados entre humanos".

Sim!, ergueram-se então as ilhas da conectividade, que por ironia traziam estampadas o nome bem sugestivo do patrocinador: vivo. Veja bem, eu que me provocava a escrever adendos referenciados por uma antropologia das coisas, encontrei nas 2 coisas que me surgiram, uma qualidade cuja abrangência ultrapassava o humano, qual seja: vida (em sua derivação publicitária).

Fiquei minutos e minutos olhando para aquela ilha e enquanto o tempo corria, era como se todo o universo passasse pela cabeça no formato de um filme com cenas aceleradas. Era interessantíssimo, mas quando fixava os olhos na ilha, sem muito demorar senti atração pela multidão dos olhos anônimos que corriam de um lado para o outro contabilizando o prazo final para chamada do embarque. Era isso, a minha sedução era pela antropologia do olho, que como coisa trazia o humano compreendido em sua extensão.

Migrei da ilha para os olhos, dos olhos para contações mirabolantes de nada improváveis pensamentos que saltavam dos olhos das gentes. Assim, coisifiquei antropologicamente a multidão da rodoviária e segui pulando de olho em olho, vendo e inventando narrativas.

Vi os olhos de um rapaz fixados no espaço e ligeiros em pensamentos. Ele tinha barbas ruivas, cabelos castanhos com entradas laterais que anunciavam a calvície, mas vai lá, o que me interessava era mergulhar  no fluxo dos seus pensamentos que apenas através dos olhos eu conseguiria construtivamente imaginar. Quando cogitei (cogito!) que ele pensava no trabalho que havia finalizado sobre os relatórios de produtividade do mês de março, repentinamente chegou uma moça e o abraçou, ops... o pensamento mudou?! o dele não sei, mas o meu transfigurou (figura!) imediatamente, porque se antes era trabalho, agora era sexo.

E assim fui seguindo na antropologia do olho, até que o fato que destrona a observação segura do olhante antropológico imperou. Como? Quando passei de um olho alheio para outro, no meio do caminho, bem entre um corte e outro do movimento, fui surpreendida por um outro olho que fixadamente me examinava, como que intrigado com o meu jeito de olhar e em seguida escrever.

Três cortes, portanto, o olho que vê e escreve; o olho visto que fala em silêncio para o que escreve; o olho que examina o que escreve...

(sem continuidades... o ônibus chegou, as forças minguaram...)



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